Às
vezes, um artista provinciano, desconhecido, alcança a glória com um pequeno e
insuperável feito: a tradução de uma obra prima. Coincidentemente, trata-se de
uma obra de poesia, o que a valoriza ainda mais.
Porque traduzir já é uma pedreira, agora traduzir poesia envolve todo um
artesanato mais apurado, maior sensibilidade, redobrado trabalho, cultura da
língua original, etc.
Várias
personalidades literárias, em nossa língua, tentaram a tradução do grande e
inexcedível poema de Edgar Allan Poe, mas nenhum logrou alcançar a perfeição e
a beleza da de Milton Amado, um homem de província, colaborador de jornais e
nem sei se tem obra publicada.
Certamente,
Milton (não o conheço pessoalmente) teve uma paixão à primeira vista por esse
poema, conhecia (ou conhece) perfeitamente o inglês e para traduzi-lo, da forma
como o fez, é evidente que deve ter sido, para ele, um deslumbramento o
primeiro contato com "O Corvo".
Nada
se sabe em torno da figura de Milton Amado. Há uma pequena referência numa
antologia de traduções de Ivo Barroso, que resume todas as traduções, até as
francesas de Mallarmé de Charles Baudelaire (que rezava todas as noites por
Poe), a sua pessoa, feita num pequeno preâmbulo por Carlos Heitor Cony. Nada
mais. Ninguém sabe se vive em minas, seu Estado natal, ou se já se foi desta
para melhor. Viveu assim sempre ignorado de sua façanha misteriosa: a de ter
vertido para o português, melhor que qualquer Toutro, "O Corvo", essa
maravilha metrificada e rimada, sobre a qual o autor escreveu uma "Teoria
da Composição", em que amplamente fornece pormenores de como o conheceu e
estruturou.
É
o maior poema de todos os tempos?
Não
conheço outro que reuna tanta beleza no que quer que se queira examiná-lo:
ritmo, profundidade, perfeição e mais o que se queira acrescentar.
Sabe-se
que outros famosos autores de nossa língua tentaram traduzí-lo, entre os quais
Machado de Assis, Gondim da Fonseca, Fernando Pessoa e mais dois outros, cujos
nomes não me ocorrem.
Mas
a tradução de Milton ultrapassa a dos demais.
E
como explicar isto?
Não
há simplesmente explicação.
A
não ser que, como já dito, tratam-se dessas paixões avassaladoras de uma pessoa
por um trabalho literário, por uma jóia rara da poesia mundial, que sobre ele
se aprofundou até ao máximo de suas possibilidades, colhendo toda a
transcendência, grandeza, fulgurância, que poucos o igualam. Ou nenhum outro o
iguala.
Esta
glória cabe a um homem de província, que, em seu anonimato ou em sua pouca
importância, trabalhou nessa maravilhosa tradução com o esmero, o carinho e a
delicadeza exigida de um ourives.
Setembro/02.
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