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Saturday, July 27, 2013

OS JOGADORES - Hamilton Alves


Três homens estão no interior de um quarto de hotel. Fumam, bebem e jogam cartas. São amigos, trabalham no mesmo ofício de venda de imóveis. Um parece ser o líder deles. Revela-se nas suas atitudes. É dele que, em geral, partem as ordens ou a orientação do que deve ou não ser feito na operação de vendas. É um homem magro, de estatura acima da média, cabelos visivelmente pintados de preto, tem um corpo já bastante estragado pela degenerescência muscular, carnes flácidas, que, quando sacode os braços, de tórax nu, percebe-se que essas carnes são frouxas. Lá fora, cai uma chuva rala. Por isso, estão ali, que é um modo de fugir ao mau tempo.
De repente o líder grita:
- Dobro a aposta.
Os outros dois o olham sem saber se aceitam o desafio ou não. Um deles é baixo, rosto redondo, cabelo carapinha, tez clara, cultivando um bigode. Tem o apelido de Pitanga. É o mais brincalhão deles. Qualquer coisa, sai-se com um chiste. O outro, o mais jovem dos três, é caladão, fixa-se às cartas, recolhe-as do monte sobre a cama, mira-as longamente, descarta outra - e assim o jogo prossegue.
Pessoas entram e saem do quarto, não se demoram muito. Falam alguma coisa, mas não se envolvem com o grupo. O jogo é a sério, valendo dinheiro, bem verdade que pouco. Não há o interesse de limpar ninguém. Jogam para se divertir.
- Manda buscar umas cervejas, Antônio. - diz o líder.
Antônio sai, desce até o bar, depois de um tempo volta em companhia do garçom. Tentou telefonar do quarto, mas a portaria não atendeu. Teve que, por isso, descer até o bar. O garçom entra no quarto enfumaçado, põe uma cerveja sobre uma mesa, os três bebem, limpam os lábios e voltam ao jogo animadamente.
- Você tem cigarro, Antônio? - pergunta-lhe Pitanga. - Me esqueci de comprar.
Antônio acende ele mesmo um cigarro e lho entrega.
- Eu disse que dobrava a parada, ninguém chiou. - disse o líder.
- Você se arrisca! - retrucou Pitanga.
A chuva despenca mais forte.
Antônio vai à janela.
- O dia tá brabo. - comenta.
- A Anita não telefonou? - pergunta o líder.
- Anita? Quem é Anita? - pergunta Pitanga.
- Você não sabe! Você está sempre por fora. Diga-lhe, Antônio, quem é Anita.
- Anita é a namorada dele, é um pedaço de mulher!
- Não façam caso dele, não é tão boa assim. Telefonou?
- Que eu saiba, não. - respondeu Antônio.
Antônio é uma espécie de pau pra toda obra. É um homem espigado, magríssimo.
Para onde o líder vai, segue-o. Carrega suas malas, dirige-lhe o carro, e, se for necessário, morre pelo líder.
- Você deixou a mulher que tinha em São Paulo? - pergunta Pitanga.
- Você sempre teve essa mania de abelhudo.
Os dois, Pitanga e o líder, brigam muito, até mesmo no jogo, mas se querem como irmãos.
- Não se deixa uma paixão velha por uma paixão nova.
- Vem você com essa filosofia barata!...
- Você já esqueceu Guiomar?
- Não fale nela... não fale...
O jogo continua. O líder fuma desbragadamente. Fuma e bebe. Antônio já pediu ao bar que mandassem mais cervejas.
A linha com o bar se normalizou a certa altura. Lá fora despenca um forte temporal.
- Uma trinca de reis e dois ases. - diz Pitanga.
- Você está com sorte. - fala por fim o mais jovem.
Súbito, desloca-se até um canto, entra no banheiro e fica lá por um tempo.
- Foi dar sua cheiradinha. - completa Pitanga.
- Que é que você tem com isso? Deixa o rapaz cafungar. O que é que tem?
- Me dá um cigarro. Pitanga diz dirigindo-se de novo a Antônio.
- Outra rodada? - pergunta o líder.
- Estou exausto. Tomei um fogo na última noite que hoje não me agüento. Será que esse cara vai demorar muito?
- Deixa-o em paz. - diz o líder.
O outro entra, os olhos congestionados, olha o grupo de uma forma estranha como se não se desse conta de nada, alheio a tudo.
- Outra rodada? - repete o líder.
- Isso me enjoa. - diz o rapaz.
- O que é que há para fazer de melhor? - diz Pitanga.
- Mulher, cara. Mulher. Preciso de uma mulher.
- Onde é que você vai arrumar uma mulher agora?
- Tem Karla, que conheci na boate, se lembra?
- Ela não viajou?
- Não. Ficou de me ligar. Mas até agora...
- Vamos à outra rodada, depois saímos para outro lugar qualquer.
Os três voltam a formar em torno da cama. Pitanga embaralha as cartas. Depois distribui cinco para cada um.
O líder pega as suas, olha-as interessado.
A certa hora o telefone tilinta. Antônio o atende.
- É pra você, Leandro.
- Quem é?
- É voz de mulher.
- Então é ela.
Ergue-se. Deixa as cartas em cima da cama. Os dois param para ouvi-lo.
- É você, meu bem? Estava esperando que você me ligasse. Onde você está? Ah, sim, te encontro à noite, vamos pegar um filme. Está bem? Até lá.
Volta ao grupo. Pega as cartas.
Há uma nuvem compacta no ar. Os três fumam, menos Antônio, que fica por ali só coringando o jogo.
- Quem foi que deu as cartas? - pergunta o líder.
- Foi Leandro.
- Que mão de anta!
- Vou ver Karla. Esta é a última rodada. Tenho que ir ao barbeiro, fazer uma barba, aparar o cabelo, dar um jeito nas fuças.
- Terminam o jogo. O líder encosta o corpo encarquilhado contra um travesseiro.
- Põe-se a refletir.
- Chove muito?
- Muito. - diz Antônio.
O líder levanta-se, vai até a janela e vê a chuva encorpar-se.


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