Tudo
começou, ao que me parece, de um encontro fortuito entre nós através de um
amigo comum. Travamos um rápido papo. Mário tomou-me o endereço eletrônico,
desejoso, ao que me disse, de mostrar-me seu trabalho de pintor e entalhista
(escultor).
Nesse
encontro , externou sua
perplexidade pela forma
ou estilo
de redação de prestigiado escritor brasileiro ,
atribuindo-lhe incompreensível desatenção aos sinais
de pontuação , notoriamente vírgulas
e ponto e vírgulas ,
que , no dizer
dele, eram escassos ou
inexistentes em
seu texto .
Pelo
que retruquei que pontuação falha decorre às vezes (ou quase sempre) não de
desatenção, mas de determinação propositada de muitos bons escritores. E que a
pontuação nem sempre tem a ver com a qualidade de um texto ou que este pode
perfeitamente sobreviver sem um rigoroso respeito às regras de pontuação. Citei
como caso típico o final de Ulisses, de Joyce, em que no curso de mais ou menos
cinqüenta páginas (monólogo de Molly Bloom) não se notam um único sinal de
pontuação. Ainda citei outros exemplos dignos de referência.
Combinamos
uma visita ao local onde mora para vê-las de perto. Fiquei tomado de interesse
por seus quadros ou talhas, pois me pareceram bem trabalhados, como se fossem
de autoria de um mestre consagrado.
Informou-me
que morava num apartamento no 11º andar de um prédio no centro da cidade. Pelo
que, de pronto, descartei a possibilidade de visitá-lo por motivo de minha
velha acrofobia. Disse-lhe que padecia do mesmo mal que atacara Scott, o
policial de “Um corpo que cai”, de Hitchcock.
Manifestei-lhe
o mesmo receio :
“Vai ver , vou examinar de
perto os quadros
e (decepção das decepções )
agora constatarei que
não valem um
níquel ”.
O
impacto agora
foi mais forte .
Tomado
de paixão por ambos os quadros, como é rotineiro comigo quando me deparo com
obras de igual valor, propus-lhe adquirir um ou outro. Mas Mário ouviu-me,
primeiro surpreso, depois indiferente, como se o preço que lhe fosse oferecido era
insignificante diante do amor que tem por eles. À pintura deu o título de
“Amadeus”, em homenagem a Mozart. O quadro, embora de teor abstrato, tem alguma
relação com a música, mostrando uma clave de sol e as teclas de um piano,
envoltos em traços harmônicos, tão harmônicos como se retratassem uma sinfonia.
No
dia anterior a esse encontro, tive acesso a uma das obras plásticas mais belas
nos últimos tempos: um desenho a nanquim de Ismael Nery. Estava já de certo
modo consumido pela beleza que colhera desse quadro. Agora, diante dos de
Mário, outro jorro de beleza simplesmente me inundou. Senti-me elevado à
quintessência do esplendor.
Talvez
haja aí, entre os leitores, quem possa estar murmurando que sou inclinado ao
exagero.
Tenho
meus motivos.
Mário
Costa (vou suprimir o Gentil porque acho que seu nome artístico ficaria melhor
assim), de repente, sai do anonimato, onde sempre se manteve, por inibição e
timidez, como me confessa, para explodir ante meus olhos estupefatos.
Como
não procurar expressar essa emoção com as pobres palavras que me acodem?
Diante
de meu comentário, mostrou-se feliz. Até então não ouvira semelhante referência
desse jaez a sua obra.
Acredito
que é desses artistas que não têm verdadeira consciência de seu valor. Ou da
importância de seu trabalho. Mário é um vanguardista, se é possível que, em
arte, atualmente, ainda possa existir algum vanguardismo, pois, a partir de
Duchamp, caímos nesse lixo das instalações, como sendo o “dernier cri” da arte.
Mário,
para situá-lo, lembra, por exemplo, Braque ou Kandinsky.
Nem
o próprio Mário me acreditou quando fiz tal crítica a esses dois quadros.
Mas
o afirmo e assino embaixo.
Mário
é um artista feito. Não tenho a mínima dúvida em dizer que se trata de um dos
grandes artistas deste país, seja como pintor ou entalhador.
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