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Tuesday, July 16, 2013

O GRANDE JUSTICEIRO - Hamilton Alves


Osvaldo Senna, um velho senhor aposentado, poeta nas horas vagas, quando a inspiração lhe favorece, ia outro dia saindo de um supermercado cheio de clientes, nessa azáfama de fim-de-semana, quando percebeu que uma senhora de cabelos grisalhos, por volta de uns cinqüenta anos e uma moçoila de seus vinte e poucos, entravam numa viatura de polícia escoltadas por dois guardas.
Um outro sujeito, vindo do interior do supermercado, perguntou a um dos guardas:
- De que se trata?
O guarda lhe respondeu:
- Estamos prendendo as duas ladras; vamos levá-las para serem autuadas em flagrante por furto; estavam enchendo uma cesta de comida e procuravam sair às escondidas pela porta da garagem.
- Mas então o negócio de furto anda desse jeito nesta cidade que fora outrora tão pacata?! - comentou o dito sujeito.
E dirigindo a palavra a Osvaldo, postado nas proximidades, comentou:
- O senhor veja o absurdo!
- Que é que há?
- Duas ladras!...
- O guarda acaba de me dizer, veja o senhor, que uma senhora até bem apessoada, cabelos bem tratados, foi levada, juntamente com uma moçoila, por terem incorrido na prática de furto de mercadorias.
Deu um pigarro forte, como para acentuar melhor suas palavras, e continuou:
- Como anda de cabeça virada este nosso mundo!
Osvaldo, a estas palavras, dava mostras de manter-se distante, completamente alheio ao que dizia o homem.
- Bem que ainda temos polícia e justiça. Pegaram as duas com a boca na botija.
Vendo que Osvaldo não lhe dava a mínima, o homem voltou-se para ele e indagou com os óculos empinados em cima do nariz:
- E o senhor o que diz de tudo isso?
Osvaldo mirou-o de alto a baixo e, a adivinhar por sua expressão, o tal homem inspirava-lhe mais desgosto e antipatia do que outra coisa qualquer, pois falava alto, como se quisesse chamar a atenção para si ou queria parecer o sujeito mais justiceiro que havia no mundo ou que de alguma maneira comprazia-se com a desgraça alheia. Esteve a ponto de virar-lhe as costas, sem lhe dar resposta. Mas ensaiando uma de suas ironias mordazes, disse:
- Que é que o senhor espera que lhe diga?
O sujeito empalideceu ou começou a gaguejar umas palavras organizadas de uma maneira pouco confortável aos ouvidos de Osvaldo:
- Mas... afinal... o senhor... o senhor não viu quando as mulheres foram... foram... levadas no camburão?
- Vi e daí? - ponderou resoluto Osvaldo.
- Não lhe faz diferença que um supermercado, à luz do dia, seja assaltado por esses amigos do alheio.
E deu toda ênfase à expressão "amigos do alheio".
- Não sou dono do supermercado e muito menos pertenço à polícia; daí que a mim não me interessa absolutamente o fato.
O homenzinho, que trazia um surrado paletó, levando ao braço um guarda-chuva do tempo do onça, olhou Osvaldo, por cima dos óculos, de alto a baixo, e murmurou:
- Como pode o senhor... sim, meu senhor, não lhe diz respeito a segurança da cidade, de seus concidadãos?
Osvaldo, que não queria de modo algum prosseguir no tema, voltou-se para o homem e na bucha lhe disse:
- Se o senhor está mesmo interessado em saber a minha opinião, o assunto, ao menos esse tipo de assunto, não me interessa de forma alguma.
Ia já saindo a passos, largando-se em outra direção, quando o homenzinho o perseguiu até a certa altura e voltou à carga:
- Mas esta é uma questão que nos diz respeito, a segurança dos concidadãos!
Osvaldo refletiu:
- Como vou safar-me desse chato?
O sujeito o olhava com uma expressão de possesso, como se a qualquer preço pretendesse arrancar-lhe uma opinião, que bem revelasse sua adesão ao quadro que há pouco se deparara.
- A segurança de todos é uma questão que deve importar a cada um de nós.
Osvaldo não suportou mais o assédio do homem:
- Enquanto o senhor está tão preocupado com a segurança de todos, devia se importar com o fato de saber se aquelas duas pessoas, surpreendidas furtando, não fazem parte das numerosas outras que integram os pobres ou os carentes ou os desempregados e que se valem de pequenos furtos para levar alimentos para si e seus filhos.
- Mas... mas... o senhor não tem razão... ou melhor... falta-lhe o senso... sim, o senso de justiça.
Osvaldo não mais se conteve e replicou:
- O senhor tem razão: falta-me o senso de tudo. Falta-me também essa má consciência que nutre a sua opinião, como a de tantos outros de sua marca.
E encafuou-se rápido por uma rua, livrando-se, por fim, do grande justiceiro.


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