Chegara à noite a uma cidade
desconhecida e hospedou-se no hotel mais próximo, independentemente de
considerações sobre a categoria do dito hotel. Percebeu logo de saída que não
era dos piores. Um sujeito de óculos, cabelos grisalhos, baixo, calvo,
atendeu-o.
-
Um quarto – disse.
Ao
que o velhote lhe pediu a identidade. Tirou do bolso do casaco o documento e
lho entregou. Tomou nota de tudo numa ficha, entregou-lhe a chave.
-
Tem mala?
-
Sim, uma única, mas é leve, eu mesmo a carrego.
-
Não se incomode. Temos gente incumbida para isso.
-
Não, eu prefiro carregá-la.
O
homem subiu as escadas, quatro lances. O hotel era de quatro pisos, contando
com o térreo, e, por isso, não tinha elevador.
Abriu
o quarto, havia uma atmosfera pesada de um cheiro a mofo. Foi à janela que dava
para a rua fronteira, àquela hora movimentada de carros e transeuntes.
Do
frigobar retirou uma latinha de cerveja.
Voltou
à janela. Ficou olhando o movimento lá fora, com o pensamento distante.
Tudo
que tinha que fazer na cidade se resumia ao despacho de uns papéis no dia
seguinte numa repartição local. Isso demandaria pouco mais de duas horas.
Saiu
à rua. Foi a uma banca, comprou os jornais do dia, um de São Paulo, outro
local. Foi a um bar, onde fez um lanche rápido. Depois ficou percorrendo as
ruas sem destino certo.
Voltou pouco depois.
Fez uma ligação para a sua residência e comunicou aos familiares que a viagem
tinha sido tranqüila, deu o nome do hotel, o número do telefone e informou que,
no dia seguinte, deveria seguir viagem para o Rio, de avião.
Passou
à leitura do jornal. Buscou informação sobre as fitas que passavam naquela
noite. Nenhum dos filmes anunciados lhe agradou. Tinha trazido um livro na mala
para a eventualidade de ter que ler algo antes de pegar no sono.
Tratava-se
de uma novela de Gogol, “O nariz”, que já havia lido há algum tempo atrás. Mas
trouxe-a de propósito para relê-la.
Os
jornais lhe ocuparam, porém, um bom tempo.
Nada
o atraía à noite fora do hotel.
Meteu-se num pijama.
Colocou dois travesseiros contra a parede onde estava encostada a cama e, antes
de ir à novela de Gogol, perdeu-se em seus pensamentos.
Percorrera
alguns quilômetros até chegar ali.
Lembrava-se
de uma companheira de banco, com a qual conversara durante um certo trecho da
viagem. Tinha ela traços delicados, um rosto interessante, cabelos curtos,
olhos sensuais. A voz tinha um assento um pouco grave para uma mulher.
-
Estamos todos metidos nesta embrulhada da vida – dizia ela a certo momento a
respeito de um problema que levantara durante a conversação.
Ele
retrucara, lançando mão de um lugar-comum:
-
Por bem ou por mal, tudo se resolve.
-
Onde estaria a mulher a essa altura? – perguntava a si mesmo. – Que curioso o
destino das criaturas.
Foi
novamente ao frigobar a agora retirou de lá um refrigerante. Tinha trazido um
pacote de bolacha de uma lanchonete e devorou algumas.
Voltara
à leitura dos jornais. Concentrara a atenção num editorial à segunda página,
que focalizava um tema econômico, que não lhe despertava maior interesse.
Uma
barata, quando olhou à entrada do quarto, cruzou de uma ponta à outra, entrando
por baixo da porta do banheiro. A meio caminho, antes disso, parou, como se o
estranho que ali estava encostado à cama, com um jornal à mão, lhe chamasse a
atenção. Depois ela continuou sua trajetória até desaparecer.
Já
era bastante tarde, cerca de uma e meia da manhã, e não conseguira pegar no
sono. Foi à janela, olhou a rua, envolta no breu da noite. De novo, voltou-lhe
ao pensamento a mulher que com ele viajara e lhe falara da “embrulhada da vida”.
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