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Wednesday, July 17, 2013

O HOMEM INSONE - Hamilton Alves

 

            Chegara à noite a uma cidade desconhecida e hospedou-se no hotel mais próximo, independentemente de considerações sobre a categoria do dito hotel. Percebeu logo de saída que não era dos piores. Um sujeito de óculos, cabelos grisalhos, baixo, calvo, atendeu-o.
- Um quarto – disse.
Ao que o velhote lhe pediu a identidade. Tirou do bolso do casaco o documento e lho entregou. Tomou nota de tudo numa ficha, entregou-lhe a chave.
- Tem mala?
- Sim, uma única, mas é leve, eu mesmo a carrego.
- Não se incomode. Temos gente incumbida para isso.
- Não, eu prefiro carregá-la.
O homem subiu as escadas, quatro lances. O hotel era de quatro pisos, contando com o térreo, e, por isso, não tinha elevador.
Abriu o quarto, havia uma atmosfera pesada de um cheiro a mofo. Foi à janela que dava para a rua fronteira, àquela hora movimentada de carros e transeuntes.
Do frigobar retirou uma latinha de cerveja.
Voltou à janela. Ficou olhando o movimento lá fora, com o pensamento distante.
Tudo que tinha que fazer na cidade se resumia ao despacho de uns papéis no dia seguinte numa repartição local. Isso demandaria pouco mais de duas horas.
Saiu à rua. Foi a uma banca, comprou os jornais do dia, um de São Paulo, outro local. Foi a um bar, onde fez um lanche rápido. Depois ficou percorrendo as ruas sem destino certo.
Voltou pouco depois. Fez uma ligação para a sua residência e comunicou aos familiares que a viagem tinha sido tranqüila, deu o nome do hotel, o número do telefone e informou que, no dia seguinte, deveria seguir viagem para o Rio, de avião.
Passou à leitura do jornal. Buscou informação sobre as fitas que passavam naquela noite. Nenhum dos filmes anunciados lhe agradou. Tinha trazido um livro na mala para a eventualidade de ter que ler algo antes de pegar no sono.
Tratava-se de uma novela de Gogol, “O nariz”, que já havia lido há algum tempo atrás. Mas trouxe-a de propósito para relê-la.
Os jornais lhe ocuparam, porém, um bom tempo.
Nada o atraía à noite fora do hotel.
Meteu-se num pijama. Colocou dois travesseiros contra a parede onde estava encostada a cama e, antes de ir à novela de Gogol, perdeu-se em seus pensamentos.
Percorrera alguns quilômetros até chegar ali.
Lembrava-se de uma companheira de banco, com a qual conversara durante um certo trecho da viagem. Tinha ela traços delicados, um rosto interessante, cabelos curtos, olhos sensuais. A voz tinha um assento um pouco grave para uma mulher.
- Estamos todos metidos nesta embrulhada da vida – dizia ela a certo momento a respeito de um problema que levantara durante a conversação.
Ele retrucara, lançando mão de um lugar-comum:
- Por bem ou por mal, tudo se resolve.
- Onde estaria a mulher a essa altura? – perguntava a si mesmo. – Que curioso o destino das criaturas.
Foi novamente ao frigobar a agora retirou de lá um refrigerante. Tinha trazido um pacote de bolacha de uma lanchonete e devorou algumas.
Voltara à leitura dos jornais. Concentrara a atenção num editorial à segunda página, que focalizava um tema econômico, que não lhe despertava maior interesse.
Uma barata, quando olhou à entrada do quarto, cruzou de uma ponta à outra, entrando por baixo da porta do banheiro. A meio caminho, antes disso, parou, como se o estranho que ali estava encostado à cama, com um jornal à mão, lhe chamasse a atenção. Depois ela continuou sua trajetória até desaparecer.
Já era bastante tarde, cerca de uma e meia da manhã, e não conseguira pegar no sono. Foi à janela, olhou a rua, envolta no breu da noite. De novo, voltou-lhe ao pensamento a mulher que com ele viajara e lhe falara da “embrulhada da vida”.



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