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Wednesday, July 24, 2013

UM LIVRO DE RECEITAS MASTURBATÓRIAS DE TREVISAN: “Rita Ritinha Ritona”, com dezessete contos do “Vampiro de Curitiba”, é o seu mais novo lançamento. - por Hamilton Alves


Tenho de longa data uma pinimba com Dalton Trevisan. Não conheço sua obra toda, mas poucas (três ou quatro), não me animei a ir ao resto, se é que o fato de ter lido essas seria suficiente indicação do que eram as demais.
Conheço leitores que são entusiastas de Dalton. Na verdade, o que escreve não é só pornografia. Ou erotismo do mais deslavado.
Um desses leitores me recomendou um livro dele, “O cemitério de elefantes”, onde tem um conto que é muito referido pela crítica, “Uma vela para Dario”, que foi eleito como uma obra prima do gênero.
Dario é um personagem que cai morto na rua e, em vez de solidariedade de seus semelhantes, o que lhe vem a ocorrer é o despojamento de todos os seus pertences. Só um lembrou-se, quando exalava o último suspiro, de pôr-lhe uma vela junto ao corpo. Daí o título do conto.
O mesmo amigo, assíduo e apaixonado admirador da obra de Trevisan, há pouco, me sugeriu a aquisição de outro de seus livros, que considerou muito bom: “O grande deflorador”, (LP&M, 98 págs.), com vinte e uma histórias. Não há que duvidar: o título fala pelo conteúdo. São contos na linha habitual ou conhecida do escritor, de um picante sabor erótico.
O lançamento mais recente “Rita Ritinha Ritona” abre-se com um conto de treze páginas, sob o título “Maria, sua criada”. De que se trata? Uma adolescente, de treze anos, que vem do nordeste (área conflagrada, como sabido, pela miséria) à procura de emprego. Encontra-o numa casa em que o marido, por deveres profissionais, passa mais tempo fora do lar, e a mulher o trai sem cerimonia. A história da moça nordestina (semelhante à desdita de Dorotéa, em “A hora da estrela” de Clarice Lispector), segue até o fim conhecendo ou vivendo as mais escabrosas experiências pelas quais possa passar uma criatura, até que ela própria se vê envolvida em atos concupiscentes que jamais sonhara. Mas à parte o tema erótico (o livro é recheado de ponta a ponta por tais episódios), o conto torna-se fastidioso até porque a narrativa é de caráter tão grotesco que se sai dela meio entorpecido. E o que é pior: a linguagem é pobre, o conto mal estruturado, - e o leitor fica se perguntando a que se deve todo o prestígio que desfruta Trevisan como contista.
Há três outros contos (um dos quais beira simplesmente a obscenidade, “O mestre e a aluna”) que não mudam o tom, na mesma linha de baixezas morais ou sexuais, como se isso fosse do agrado geral do público ledor. Se há quem necessite de excitações, o livro de Trevisan é uma boa receita.
Não é apenas isso, no entanto, que há de se ressaltar nesse livro “Rita Ritinha Ritona”, mas também a qualidade literária, que, em poucos contos, alcança um bom nível, não obstante a apelação que os caracteriza.
Devemos admitir literariamente o erotismo? Por que não? Mas há erotismo e erotismo. O conto de Machado de Assis “Missa do galo” é um conto erótico, sutilmente erótico, sem parecer erótico. O jovem que vai passar a noite de natal na casa de Conceição e seu marido e que, por ela, a certa altura, é advertido de que o amigo que prometera vir ao encontro dele o chama à rua para assistirem à missa do galo, vive momentos de relacionamento que bem revelam o desejo que um sente pelo outro (ou a atração física ou libidinosa), sem, contudo, deixar transparecê-lo. O fato é mais acentuado porque Conceição sabe que o marido a trai. E o moço é uma oportunidade excelente para que se vingue da infidelidade do esposo.
Nos contos de Trevisan, porém, o adultério, a lascívia, a concupiscência são reveladas sem qualquer pudor. Não chegam, nem de longe, à extrema e rara habilidade machadiana para insinuar o que se passa, não nos atos, mas na mente de seus personagens, que mal são esboçados nos gestos ou na fala.
Mas nem sempre o erótico tem sido a marca dos contos de Trevisan, embora lhes seja o traço peculiar.
Numa antologia de contos de Natal, editada pela “Relume Dumará”, 1996, Trevisan tem um conto com o título “Onde estão os natais de antanho”, que considero não apenas uma obra prima no gênero, mas o incluo entre os melhores que já li. É, na verdade, um instante excepcional na sua carreira de contista. Não conheço outro de sua autoria que o supere.
Há outro, “A testemunha”, de igual nível, mas ainda fico com o primeiro como podendo ser referido como esse momento único que todo o escritor tem em sua trajetória.
Trevisan não dá entrevista. Houve uma tentativa apócrifa, por ele devidamente repudiada, de obter-lhe respostas a algumas perguntas que muitos de seus leitores gostariam de formular-lhe. Mas se esconde de jornalistas. Ou de entrevistadores. A justificativa é de que tudo que tem a dizer está contido na sua obra.
Mas se o conhecesse ou privasse com ele, gostaria que me revelasse porque sua preferência manifesta pelo erotismo de bas-fond.
Isso deve ter uma explicação, pelo menos a nível psicanalítico.
“Rita Ritinha Ritona” – para voltar mais uma vez a esse último lançamento – é de uma escabrosidade que não conhece barreiras. O conto já referido “O mestre e a aluna” é uma série infindável de situações das mais degradantes concebíveis, em que todas as experiências da libido são descritas com a mais intensa e fria crueza. Trata-se de um professor que pretende analisar o trabalho de uma aluna sobre a personagem machadiana Capitu. É conhecida a posição de Trevisan quanto ao caso Bentinho, Capitu, Escobar, de acordo com a qual Capitu traiu inapelavelmente o marido com Escobar. A maior prova disso, segundo a teoria de Trevisan e a de quem lhe segue a opinião, é que Ezequiel, suposto filho do casal, é a cara de Escobar.
Em vez de sabatinada sobre o tema, a jovem e esbelta aluna é levada às mais diabólicas práticas sexuais com o mestre.
O livro não choca apenas por isso (o que não seria de menos), mas é que, no conjunto, deixa muito a desejar e segue por uma mesmice e lugares comuns que enchem de tédio o mais tolerante leitor. Cito, como modelo, um conto de duas páginas, sob o título “Em família”. Não há nada mais desinteressante, de baixo nível, de má estrutura literária do que esse conto.
Não vou perder tempo em resumi-lo.
Não duvido que Trevisan seja um bom escritor (tem coisas ótimas em sua já volumosa obra), mas “Rita Ritinha Ritona” é revelador, antes de tudo, de que, no mínimo, ele precisa se recauchutar para nova empreitada literária.



 

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