Organizado
por Ruy Castro, que nessa matéria de escolher material de escritores badalados
na imprensa do Rio há várias décadas atrás, é sem dúvida alguma mestre,
lança-se, agora, “Um filme por dia” (ed. Companhia das Letras, 415 págs., R$
48,00). Há pouco, nos ofereceu o material legado por outro grande crítico de
cinema, José Lino Grünevald, que também pontificou por vários anos a fio no
desaparecido “Correio da Manhã” por obra e graça da ditadura militar que, entre
outros serviços nocivos, prestou mais esse à cultura brasileira.
Moniz
Viana foi tido, em seu tempo, no mesmo “Correio da Manhã”, como o grande
“cobra” da crítica cinematográfica. Foi tal seu prestígio (que ainda hoje dura)
como analista de cinema, que praticamente exerceu uma espécie de liderança ou
de “magister dixit” no assunto. Quem queria saber se um filme valeria a pena ou
não tinha que recorrer à palavra do mestre.
Dá para
perceber nesse livro, em boa hora lançado, pois resgata todo esse material
precioso de crítica do jornalista, o quanto Moniz foi efetivamente um mestre no
conhecimento da sétima arte. Em dois momentos, parece chegar a um extremo de
detalhismo com respeito a dois grandes filmes, que ainda fazem cabeça e coração
de muita gente, “A marca da maldade” (Touch of evil) e “2001, uma odisséia no
espaço” (2001, a
space Odyssey), de Stanley Kubrick, que é, hoje, à unanimidade, considerado um
marco no cinema.
Nesse
último caso, o perfeccionismo e a precisão nas informações e, de resto, as
referências à fita são de tal maneira abundantes e, sobretudo, a análise é tão
concisa e chegar à clareza do que a obra representa, que se sai da leitura
desse texto como num estado de transe, tal é o seu magnetismo.
Não
obstante o fato notório (mostrado pela totalidade de seus artigos) de que
estamos, inegavelmente, diante de um gênio da crítica cinematográfica, que Ruy
Castro ressalta, em certo momento, que não teve dentro ou fora do país, no
mesmo período, quem rivalizasse com ele, Moniz, como todo o crítico, foi
humano, ou seja, incorreu, a meu ver, em algumas escorregadelas. O fato de não
se ter incluído no rol dos filmes que fazem parte do livro nenhuma referência à
obra de Chaplin é uma dessas coisas incompreensíveis. Um amigo chegado a Moniz
(não posso revelar o nome), com quem tive há pouco ligeiro contato por
telefone, no Rio, me dizia que a exclusão é explicável: Moniz não gostava do cinema
de Chaplin.
Não dá
para crer. Chaplin é uma unanimidade universal no que toca a sua grandeza.
Mas há
outro excluído da lista: “O pagador de promessas”, de Anselmo Duarte. Também
este filme, ao que se comenta, entrou na categoria dos filmes pouco ou nada
apreciados por Moniz.
Sobre
“Deus e o Diabo na terra do sol”, ele considera que, depois de “O cangaceiro”,
é o melhor filme nacional. Glauber, registra-se no livro, era desafeto de Moniz
por um tempo. Depois fizeram as pazes. Glauber ardia de saber qual a opinião de
Moniz sobre seus filmes. Ficou muito aborrecido quando Moniz escreveu que não
gostara de “Terra em transe”. Mais tarde, elogiou “Deus e o Diabo...”. Ora, o
filme de Anselmo foi premiado em Cannes, entre outros que hoje constituem ou
pertencem, de alguma maneira, à história da sétima arte, como, só para citar
um, “O anjo exterminador”, de Buñuel. Dar preferência a “Deus e o Diabo” em
relação ao “O pagador...” é, no mínimo, um disparate.
O que
teria levado Moniz Viana a se posicionar assim frente à tal questão? Tinha
alguma pinimba com Anselmo? Seria guiado por um espírito de parcialidade? Não
se sabe.
Outro
tema é sua ojeriza pela “nouvelle vague” e suas diatribes contra cineastas da
altura de Resnais quando dirigiu “O ano passado em Marienbad”, e Godard, cuja
obra foi considerada de baixo nível ou de não tanta qualidade como a crítica a
considerou. Também malhou “Hiroshima, mon amour”, de Resnais.
Lembro-me
que, sobre esse último filme, Paulo Emílio Salles, uma das pessoas neste país,
a sua época, que mais gozavam de respeito quanto a sua opinião pessoal sobre
cinema, disse numa palestra aqui, exibindo a fita de Resnais para um público
grande, que “estamos diante de uma obra prima”. No livro de Ruy Castro há uma
referência a Paulo Emílio quanto a esse filme de Resnais, que não a
compatibiliza muito bem com a que ora se registra. Teria dito outra coisa de
“Hiroshima...”, não tão recomendável.
Quanto
ao cinema novo, Moniz repete o que particularmente sempre achei, ou seja, que,
no frigir dos ovos, nada trouxe de considerável valor à cinematografia
brasileira.
Ao manusear o livro assim que o adquiri, fui
ler a resenha sobre “Os pássaros”, (The birds), de A. Hitchcock, pois, quando
vira esse filme, comentei, para perplexidade de vários amigos, que não gostara
dele. Moniz não diz exatamente isso em seu comentário, mas ressalta que se
admirou do elenco escolhido por Hitchcock, com Rod Taylor e “Tippi” Hedren nos
papéis principais, esta lhe parecendo, em certos momentos, um traço mal
caracterizado de Grace Kelly ou com
pretensões disso. Por linhas transversas, Moniz ressalta um pormenor que é bem
representativo de suas restrições a esse filme, embora em momento algum tivesse
afirmado não o ter apreciado, ele que era um “hitchcockiano” de carteirinha.
Não
gostei de alguns artigos de Moniz. Analisando “8 e ½”, de Fellini, pareceu-me
bem menos abrangente ou mais pobre do que no restante das obras analisadas.
Surpreendeu-me um pouco sua referência às qualidades cinematográficas de “La
strada” (A estrada da vida), também de Fellini, considerando-a como a segunda
obra mais importante da filmografia de Fellini (ou assim o insinua em certo
momento). Tive minhas paixões por “La strada” até que vi o filme, que achei
meio caricato, com Gelsomina (Violeta Massina) e Zampano (Anthony Quinn) não
muito bem em seus papéis. Há certamente uma legião de pessoas que, ao lerem
este comentário, pedirão ao editor deste jornal a minha cabeça num prato. Minha
paixão por essa fita resultava de minha leitura do “script”, de Fellini,
prefaciado por José Lino Grünevald, que é uma beleza e revelador de um dos
grandes momentos de Grünevald como crítico. O “script” é melhor que o filme, o
que nem sempre é a regra.
Outro
fato que me causou certo espanto, à leitura do livro, é saber que Moniz Viana
não foi devoto de Ingrid Bergman. Moniz constitui-se uma exceção a nível
mundial. Bastaria citar, nos papéis desempenhados por Ingrid, o que fez em
“Casablanca”, para consagrá-la como uma das maiores atrizes de todos os tempos.
Mas ninguém é perfeito.
Outra
opinião expendida por Moniz é sobre “Sabrina”, que ele diz que, em matéria de
comédia, só “O pecado mora ao lado” perde para esse filme, que teve grandes
estrelas do cinema no elenco, Humprey Bogart, William Holden e Audrey Hepburn.
Bem, não tenho preferência nem por um nem por outro. Ambos são de qualidade
média, a rigor. Não vejo que Sabrina possa ser considerado melhor que o outro,
como quer Moniz.
Achei
também, para finalizar, que, na crítica “A um passo da eternidade”, que, agora
e só agora me dou conta, foi dirigido por Fred Zinnemannm, que, antes já havia
dirigido “Matar ou Morrer”, com referência ao qual Moniz destaca o papel
desempenhado por Gary Cooper, que particularmente considerei e considero pífio
(um delegado amedrontado por três patetas que saltam numa plataforma de trem
indigitados como temíveis bandoleiros, Gary Cooper os liquida em três minutos
com certeiros tiros – então não eram assim tão temíveis) – na crítica a “A um
passo da eternidade” Moniz esteve simplesmente soberbo.
Mas o
livro é riquíssimo em informações sobre grandes filmes e o prefácio de Ruy
Castro é excelente.
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