Romualdo
subiu a rua íngreme com a íntima certeza de um desastre próximo. Havia há pouco
declarado seu amor a uma jovem bonita ou que ao menos considerou assim. Era de
apaixonar-se com facilidade. No caso, a moça desta história era baixinha,
fornida de corpo, um olhar encantador, os cabelos trazidos curtos envoltos,
quando a viu pela primeira vez, numa fita branca. Chamava-se Helena. Necessário
não esquecer o detalhe dos olhos. Helena os tinha de um jeito brejeiro, que encantavam
à primeira vista. Revelava estar sempre esperta para tudo, embora não
traduzisse em palavras o ar espantado de seu rosto. Na verdade, quase não
falava. Quando a abordou uma tarde - e o fez de uma forma que até lhe causou
surpresa, pois era de um modo geral inábil com mulheres - Romualdo sentiu-se
enfeitiçado pela graça de seu porte. Havia qualquer coisa de sedutor nas linhas
de seu corpo. Ele próprio, quando a deixou à entrada da rua em que foi levá-la,
não sabia como explicar seu arroubo. Estava de acordo que toda sua atração pela
moça era seu rosto enigmático. Como explicá-lo? Seria necessário descer aos
mistérios insondáveis da alma. Ou talvez fosse preciso desvendar os segredos de
uns olhos que quase não se abriam, que ficavam meio escondidos por entre as
pálpebras. Esse rosto compunha expressões tristes, mas era de extrema doçura.
Vimos que Romualdo sobe a rua onde mora Helena. Terá que esperá-la em
determinado local. Como já ficou dito, Romualdo carrega dentro de si um peso,
algo que é mais ou menos um mau pressentimento. No dia em que conheceu Helena,
naquela altura em que agora se encontrava, se podia vislumbrar o mar, numa
tarde de que bem ainda se lembrava, de um céu despojado de nuvens e de um sol
ardente, sentaram-se num local improvisado. Nesse primeiro contato, quis
revelar-se à moça por inteiro, sem falsificar sua verdadeira natureza,
pretendendo manter com ela, desde o primeiro instante, uma relação sincera e
decente. Ouviu-a também fazer observações em torno do que dissera, nada de muito
profundo nem de sério, mas comum e simples. No fundo, queria conquistá-la, mas
não recorreria, para isso, a qualquer artifício. Se essa conquista tivesse que
ser feita seria pelos meios lícitos. Nada de gabar-se de seus feitos até
porque, na realidade, pouco tinha de que gabar-se. Até ali tinha passado por
alguns momentos desagradáveis e, por um longo período, tinha se voltado à vida
boêmia. Queria tudo partilhar fielmente à jovem. Se tivesse que conhecê-lo, o
conhecesse como era e como fora. A idéia de não falsear seus sentimentos o
preocupava mais que a de impressioná-la. Ali estava no mesmo local do dia
anterior, olhando o mar, à cuja orla se atracavam numerosos barcos. Olhou o
relógio. Passavam já alguns minutos do horário fixado para o encontro. Romualdo
não o notou logo, pois se perdera em conjecturas ao voltar sua atenção aos
detalhes da paisagem. Um casario singelo, antigo, com cercas atrás das quais
despontavam pequenos jardins. Àquela hora, era reduzido o movimento de pessoas.
Dois ou três cachorros, atrás das grades de um portão, começaram a latir à sua
passagem. Romualdo fez um gesto para amansá-los. Em certo momento, estranhou a
demora de Helena. O que acontecera? Súbito, apareceu um rapazinho, que lhe
dirigiu a palavra:
- Helena mandou este bilhete para o senhor.
- Para mim?
- O senhor chama-se Romualdo?
- Sim.
- Então é para o senhor.
O
bilhete era resumido, de poucas palavras: "Romualdo, sinto muito, mas não
posso ir ao seu encontro. Favor não me procurar mais. Helena". No primeiro
momento, ficou atônito. Não sabia como explicar tal atitude, se a impressão que
colhera dela ou que lhe despertara fora, como lhe parecia, tão boa. Não queria
acreditar no que lera.
- Diabo, como pode ser isso?!
Romualdo
empreendera o caminho de volta. A paisagem, que antes o desvanecera, agora era
como se não existisse, como se o mundo, de repente, se esvaziasse de todas as
coisas. E só reinassem a confusão e o estupor. Perto, havia um bar. Romualdo
entrou ali. Uns homens riam, outros se sentavam em volta de uma mesa jogando
dominó. Havia uma zoada de vozes e explodiam gargalhadas. Um aparelho de TV
mostrava um jogo de futebol. Romualdo encostou-se ao balcão, onde se postavam
simples homens do povo. Mantinha-se em silêncio, sem chamar atenção. Até que um
homem gordalhufo, com uma cabeleira imensa, uma barba por fazer, perguntou-lhe
o que desejava. Pegado assim de supetão, quando sua mente ainda procurava
entender os fatos que acabara de viver, Romualdo quase ficou sem saber o que
dizer. Aquela máscara por trás do balcão do bar lhe perturbava ainda mais o
ânimo.
- O senhor deseja alguma coisa, cavalheiro? -
voltou a insistir o homem carrancudo.
- Ah, sim... o senhor me dá... me dá... uma
cachaça...
- Cachaça?!
- Sim... um copo...
O homem trouxe-lhe
exatamente um copo cheio de aguardente. Romualdo olhou o homem, olhou o copo,
tudo lhe parecia indiferente e estúpido. De um trago só, ingeriu todo o líquido
para o espanto do homem. Depois, saiu a passos pela rua íngreme.
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