O
encontro deu-se à tarde. O dia estava desanuviado. Por isso ou por outro
qualquer motivo ela formulou o convite:
-
Vamos até um bar tomar alguma coisa?
Ele
guiava atento ao movimento do trânsito, sem voltar-se à paisagem muito bela. Os
barcos cruzavam a lagoa, pela qual já tinha dado volta. Mas ele estava mais
interessado no diálogo que durante o curso pelas estradas do interior da cidade
vinha mantendo com ela. Diálogo que até aquele ponto era feito de tolices. Não
havia praticamente uma continuidade no que se diziam. Ele fazia uma observação,
ela outra, de uma forma mais ou menos descosida.
O
convite para ir a um bar àquela hora, no primeiro momento, soou-lhe meio
insólito. Não era corriqueiro que o formulasse.
Entraram
num restaurante.
O
garçom trouxe a carta.
Ela
manuseou-a algum tempo.
-
Não quero comer nada. E você?
-
Também não.
-
Quero tomar uma bebida quente.
-
Que é que você sugere?
-
Uísque.
-
Não gosto de tomar uísque de dia.
-
Qual a diferença?
-
Uísque é uma bebida mais própria para se beber à noite num recinto
aconchegante, com música ao vivo, de preferência numa festa, uma pista para
dançar. É uma bebida estimulante.
Ela
baixou os olhos, como se tivesse assentido, mas voltou à carga:
-
É uma bebida como outra qualquer, que se pode tomar a qualquer hora do dia.
-
Penso diferente.
Houve
um silêncio, durante o qual ele voltou-se para a lagoa e notou que um barco a
atravessava, um barco à vela - e esse cenário o deleitou. Procurou no bolso do
casaco o maço de cigarros. Levou um à boca, riscou um fósforo, acendeu-o, deu
uma longa baforada, enquanto ela ficou observando-o nesses pequenos gestos. Ela
não fumava, por isso não lhe estendeu o maço para oferecer-lho.
-
Bem, você bebe o que quiser; eu por mim bebo outra coisa.
O
garçom foi chamado de volta à mesa.
-
Traga-me uma dose de uísque, com gelo, e, para mim, uma caipirinha de vodka.
Ele
ocupou-se em brincar com a caixa de fósforos, colocando um palito por baixo de
uma reentrância, de modo a permitir que movimentasse com a caixa, que caía ora
de um jeito, ora de outro.
-
Você conhece esse jogo?
-
Não. - disse ela.
-
Quando a caixa pousa à mesa dessa maneira, ou seja, com o palito sendo o
suporte da caixa, vale quinze pontos; quando cai assim, apoiada num dos lados,
ao comprido, vale cinco; quer jogar?
-
Não sou boa de jogo, mas se você quiser, tentarei aprender.
Iniciaram
o jogo, mas em todas as tentativas de acionar a caixa, ela se mostrava inábil,
pelo que desistiram de continuá-lo.
-
Era uma brincadeira de quando era adolescente; às vezes, apostava-se dinheiro;
eu era bom nisso.
Ela
riu-se, ele também.
Recolheu
a caixa de fósforos ao bolso da camisa. Ficou com os olhos fixos no copo de
vodka, mexendo o conteúdo com um pequeno pedaço de pau.
-
Tudo parece estranho!... - disse.
Ela
ficou olhando-o sem saber o que dizer.
A
fala dela se orientou noutro sentido, pelo que lhe deu a entender que não
compreendera bem o que pretendia dizer.
-
Tenho medo do futuro. - disse ela.
-
Medo?
-
Sim, o futuro me preocupa.
-
Por quê?
-
Não sei o que me reservará a vida.
-
Ninguém sabe, nem eu nem você nem ninguém.
-
Mas no meu caso é diferente.
-
Por quê?
-
É que agora mesmo, se olho um momento para a minha vida, não me sinto segura do
que me espera.
-
Mas é o mesmo para todas as pessoas.
-
Não é o mesmo.
-
Por que não?
-
Em seu caso, por exemplo, a sua vida de certo modo está organizada; a minha
está por se organizar.
-
Então é questão de organizá-la; apenas isso.
Pediu-lhe
licença para ir ao toalete.
Viu-a
sair, locomovendo-se com o belo balanço do corpo até ao fundo do restaurante,
onde o gerente a guiou.
Virou-se
para a lagoa e lá estava o barco à vela. O mar estava sereno e espelhado. A
visão do mar sempre lhe trazia conforto. Ela voltou, sentou-se à mesa, sorveu o
uísque.
-
Vamos? - disse ela.
-
Sim, vamos.
Ergueram-se
ambos ao mesmo tempo. Arredou a cadeira para ela afastar-se e pegar o rumo da
porta. Entraram no carro.
-
Você me dizia que achava tudo estranho.
-
Sim, tudo é esquisito, não é?
-
Explique-se.
-
A minha vida, a sua, esta tarde, a paisagem, esta luz que vem do sol, tudo isso
é estranho.
Ela
limitou-se a sorrir.
Ele
voltou mais uma vez sua atenção ao barco, que chegava, por fim, à praia.
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