Sérgio
Augusto , num recente
artigo publicado na BRAVO !,
declarou que o substituto
(ou sucessor )
de Eisner, nos quadrinhos, é Art
(Arthur) Spiegel. Ele diz isso (logo
pensei) porque não
conhece os desenhos de Marley Tânis
Cardoso, um oficial
da Polícia Militar ,
profissão que
abraçou para ter o direito de viver dignamente como
todo mundo ,
mas cuja
vocação é o desenho .
E nisso Marley é tão bom quanto
Eisner (que o diga Tércio da Gama que é seu sogro ,
Flávio Cardozo, de quem narrou uma crônica em
quadrinhos ou Silveira
de Souza, que fez os balõezinhos da história ).
Alguém,
vendo os desenhos de Marley (acho que foi Tércio) – disse-lhe que
tinha muita
semelhança com
os de Eisner. A essa altura , Marley não sabia da existência
de Eisner nem que
fora autor
de uma história policial
(ou de um
herói de história
em quadrinhos), The Spirit, com a qual obteve
sucesso praticamente em todo o mundo . No Brasil, a partir
de certo tempo ,
tornou-se coqueluche , a ponto
de Spirit ser o herói
preferido de grande número
de aficionados desse gênero de literatura .
Informado
da existência de Eisner, Marley
procurou, desde então ,
aprofundar-se em seu
trabalho , até
que trocou duas ou
três cartas
com o famoso
artista americano .
Sabia que de alguma forma
Marley tinha entrado em contato com Eisner, mas
sua mãe ,
esposa de Tércio, num dia desses, me
contou a respeito das cartas trocadas por
ambos , em
que Eisner disse a Marley que seu trabalho era muito bom e que devia continuar a
produzi-lo.
Mas
a não ser a crônica de Flávio, que
narrou com belos
quadrinhos (tão esmeradamente desenhados
como o próprio
Eisner o faria), parou sua atividade . Esteve envolvido num concurso
público para
o cargo de oficial
da Polícia Militar .
Lá
está hoje brilhando. É assessor
jurídico do Comando
do Corpo de Bombeiros .
Bem
sucedido funcionalmente (sua meta é ser Juiz ou Promotor ), mas seu lado artístico
apagou-se ou está provisoriamente apagado .
Pretende
voltar ao desenho .
Ou , na verdade ,
nunca deixou de desenhar .
Nas horas vagas ,
de ocium cum dignitataem, desenha . Não de forma narrativa , mas desenha qualquer
coisa que lhe pedem. Ou lhe vem à cabeça .
É
claro que
Desterro não
é lugar (ou
o espaço ) adequado para
uma carreira de artista .
Ricardo
Hoffmann, certa vez ,
conheceu um guru ,
que lhe
recomendou:
“Se
você quer ser escritor não é aqui que você conseguirá sucesso ”.
Ricardo
preferiu ficar na Ilha , mesmo certificando-se, de antemão ,
que poderia
fazer uma trajetória
de gênio , que
não lhe
dariam a mínima . É ao que estão condenados pequenos
e grandes artistas .
Só quem
conseguiu se salvar desse triste
fadário foi Cruz
e Souza. Mesmo assim
teve de penar pelo Rio e pelo interior
de Minas , de onde
veio de trem
de volta ao Rio ,
morrendo, ao que se conta ,
no curso da viagem .
De miséria ou
de fome . Ou
das duas coisas . A tuberculose
o matou. A doença foi fruto
de suas privações .
Foi tarde demais
que se reconheceu nele o maior simbolista do País .
Roger Bastide o considerava do nível dos grandes simbolistas do mundo .
Mas
voltemos ao Marley.
Deu-me
uma cópia de seus
quadrinhos (ou da história
sobre uma crônica
de Flávio Cardozo). Quando me deparei com esse trabalho , fiquei simplesmente pasmo .
Era a nova
versão de Will Eisner.
Só
um grande
artista como
Eisner teria habilidade para
desenhar essa narrativa.
As
figuras de Marley são estonteantemente belas. Não foi à toa que Eisner lhe
respondeu as cartas e lhe previu um futuro radioso no caso de seguir sua
vocação artística. Não fora isso, Eisner, obviamente, não lhe redigiria uma
única linha. Não perderia tempo com quem não revelasse talento.
Mas
que é que
sabe, entre nós ,
desse feito de Marley? Alguns gatos pingados , como sempre .
Ele
sabe que , confinado à Ilha ,
não terá a menor
chance de impor
sua arte . Ou ganhar a vida com ela . Ainda que venha a colaborar num jornal (mesmo
de outro centro ),
estará condenado a ser contemplado com “cachês ” ridículos , como
é notório ocorrer
com outros
artistas .
Sair
da PM para um
futuro incerto nos
quadrinhos não lhe
desperta o ânimo . Mais
vale um pássaro na mão que dois voando, é o sábio .
Mas
há outro que ensina: “quem não arrisca não petisca”.
De
uma certa forma ,
nascemos numa das cidades mais belas do planeta
(a Ilha de N. S. do Desterro ,
desgraçadamente chamada
ainda de Florianópolis: Floriano Peixoto
é alagoano . Mandou para
cá , no início
de seu governo ,
Moreira César para matar
nossa gente ,
inclusive um bisavô meu ,
José Liberato Bittencourt), mas pouco desenvolvida
do ponto de vista
cultural.
De
modo que ,
por aqui ,
não haverá muita
chance para um artista da envergadura de Marley. A prova
disso é que tem sido até agora um ilustre desconhecido . Fez uma única
historinha em quadrinhos (a crônica referida do Flávio) e depois
disso recolheu-se ao silêncio . Ou ao olvido .
Como
abrir-lhe uma porta para
que , de novo ,
mostre seu trabalho ?
Como
fazer circular sua HQ mencionada, em
que se mostra
ao nível de Eisner?
Haverá
quem se interesse
em abrir-lhe espaço ?
Garanto
que Marley faria muito
sucesso .
Enquanto
a sorte não
o bafeja , Marley, formado em direito , tenta abrir espaço como oficial da PM e, mais
tarde , quem
sabe, nos quadros
da Magistratura ou
do Ministério Público .
A
não ser que tome coragem, como tantos outros, que resolveram seguir seu destino
nem que fosse comendo o pão que o diabo amassou, e procure cantar em outra
freguesia, Marley, a meu ver, seguirá uma carreira burocrática, em detrimento
de seu grande talento de artista.
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