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Sunday, September 29, 2013

A VISITA DE CAMUS - Hamilton Alves


Em “O Príncipe e o Sabiá”, Otto Lara Resende conta pormenores da visita meio malograda que Albert Camus fez ao Brasil, que, segundo ele, foi marcada pela depressão e pelo tédio do visitante. Até o Cristo no Corcovado o desalentou, segundo Otto o diz nesse depoimento. Agendou um jantar com o escritor, que, a essa altura, não tinha ainda sido contemplado com o Nobel (a visita deu-se em 1949, onze anos depois foi Sartre que nos visitou, depois de ter passado por Cuba e escrito um livro resultante disso, “Furacão em Cuba”, que a Editora do Autor, de Rubem Braga e Fernando Sabino, editou em prazo recorde. Quem tem um exemplar desse livro raríssimo? Poucos, muito poucos, certamente).
A travessia pelo Atlântico deixou-o já nauseabundo, não pela viagem em si, mas por tudo que lhe foi dado ver e viver dessa experiência. Esteve na iminência de suicidar-se, segundo se comentou a sua chegada ao Rio.
Os brasileiros lhe pareceram, segundo se depreende da leitura dessa resenha de Otto, excessivamente formalistas e provincianos.
Chegou aos ouvidos de Sartre o fracasso da visita do colega e amigo. Sartre teria comentado: “Bem feito, quem mandou aceitar o convite de uma visita oficial”.
O jantar com Otto não deu certo porque caiu na asneira (confessado por ele) de convidar o editor do “Correio da Manhã” à época. Quando Camus se inteirou do esquema, despistou, alegou qualquer coisa para não comparecer ao jantar. No fundo, suspeitava que Otto quisesse, de algum modo, lhe obter uma entrevista. Camus detestava repórteres e jornalistas.
Veio a ter contato com Augusto Schmidt. Não houve meio de simpatizar com Schmidt, o senhor gordo que o enfastiou, até mesmo quando conduzido no seu Chrysler. Imagino o tipo de conversa que Schmidt deve ter querido provocar com Camus.
Podia perguntar a Camus como é que foi sua temporada de goleiro no Racing, time em que atuou na juventude. Mas certamente deve ter querido que justificasse por que, afinal, Meursault matou o árabe, quando cego pelos raios do sol numa praia de Argel, em “O estrangeiro”. Ou coisas chatas desse tipo.
O brasileiro deslumbra-se facilmente diante de celebridades. Não sabe, em geral, manter a naturalidade.
Otto revela que Camus, por toda parte, não podia impedir-se de expressar no olhar o tédio que o consumia.
Em Recife, quando deu uma palestra numa universidade, ao fim, Camus terminou-a com estas palavras: “Il y a quelqu’un que voudrait poser une question?” Diz-se que um engraçadinho espetou o dedo no ar. Camus disse: “Allez, monsieur”.
O sujeito respondeu: “Quel l’heure est-il?”
Nada mais faltava para Camus encerrar sua viagem decepcionante ao Brasil.   

(julho/10)                   








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