Num
início de noite meio frio, sem ter o que fazer no hotel em que me hospedara, uma
espelunca no Quartier Latin, até porque estava com vontade de tomar uma bebida
que me esquentasse, procurei o Café de Flore, muito famoso por ser o reduto
procurado pelos escritores da chamada “lost generation”, como a chamou Gertrude
Stein.
Sentei-me
a uma mesa ao fundo (não seria a que pertenceu a Hemingway, que era seu
frequentador assíduo – e por isso era considerada intocável?).
Trazia
no bolso do casaco uma pequena novela de aproximadamente sessenta páginas de
Eça de Queiroz, que já havia lido no Brasil, “José Matias”, que é a história de
um amante do espírito, não da carne, ou que sublima o amor da carne por uma devoção
sem igual ao ente amado, que se satisfaz apenas na sua contemplação, obcecado
pela teoria de Fitche, de que o prazer é uma ilusão.
Adquiri
esse exemplar da novela de Eça num bouquiniste daqueles numerosos existentes à
margem do Sena.
Regalei-me
numa confortável cadeira e dei tratos à novela, traduzida num excelente
francês, segundo percebi.
Há
algum tempo (na década de 20 do século passado), me lembrava, ali havia sido
palco de intermináveis discussões de escritores e pintores famosos, como além
de Hemingway, Scott Fitzgerald e os de casa, Valéry Larbeaud, Paul Valéry,
Picasso, Sartre, Simone de Beauvoir, etc.
O
ambiente reinante parecia ressuscitar tais pessoas. Via-os a cada um, como se
ali ainda estivessem reunidos, a fazer planos sobre seu trabalho literário,
sobre o que se produzia artisticamente à época, quem era quem, e tanta celeuma
desse tipo.
Até
que entrou, em certo momento, enrolado numa capa que lhe ia até os pés, um
poeta conhecido e muito aplaudido naquela ocasião, Jacques Prévert, autor de um
poema também muito celebrado, “Déjeuner du matin”, que sabia de cor.
Tive
a tentação de dizê-lo a Prévert. Certamente, ficaria feliz de saber que alguém
conhecia seu poema e o havia decorado.
Mas
como fazê-lo sem quebra da discrição? Prévert se acomodara a uma mesa bem
afastada, o que de certo modo dificultava minha aproximação.
Mas
a certa hora, com o intuito de ir embora, passei perto de onde se achava
alojado. Bati-lhe no ombro. Trocamos algumas palavras, quando lhe informei que
conhecia seu magnífico poema.
Ficou
encantado quando o disse estrofe a estrofe.
Depois,
quando ia já a certa distância, aproximando-me do hotel, algo estranho soou aos
meus ouvidos – era o despertador, que me chamava à realidade do dia a dia.
(Nov/10)
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