Há
muitos anos, num livro muito bem impresso, não me lembro de que editora, li pela
primeira vez uma crônica de Rubem Braga, por quem sempre nutri admiração, que,
como a outros ledores, certamente, me marcou para sempre, com o título de “Eu e
Bebu na hora neutra da madrugada”. Só o título dispensa maiores comentários
quanto a sua beleza.
A
história de Bebu (que é o apelido que Rubem Braga dá ao diabo) resume-se num
encontro que teve com o quimbinga numa certa madrugada num bar do Rio. Começam
entre si um diálogo. Braga passa a lhe chamar de Bebu quando a conversa
esquenta e não há mais lugar a tratamento cerimonioso.
Em
duas páginas e meia ou três a crônica segue em alto diapasão até o fim.
Foi
uma das melhores crônicas que li (eu que sempre fui apreciador do gênero, a tal
ponto que, a partir de certo momento, comecei também a cultivá-lo).
Outros
cronistas, que muito aprecio, têm tido trabalhos igualmente grandiosos. Poderia
citar crônicas de Drummond, Bandeira, José Carlos Oliveira, Paulo Mendes
Campos, Fernando Sabino, Silveira de Souza, Barreiros Filho (estes dois últimos
nossos escritores conterrâneos), que igualmente deixaram marcas definitivas de
sua qualidade literária. Nem vou dizer que “Eu e Bebu na hora neutra da madrugada”
teria sido superior às demais. É muito difícil estabelecer padrões de qualidade
na literatura, notadamente nesse gênero tão polêmico. Mas não tenho a menor dúvida
em dizer que essa do Braga é um dos momentos grandiosos da crônica.
Trata-se
de um verdadeiro achado literário o fato de um cronista ter como tema um
diálogo com o diabo num momento realmente neutro (entre o dia e a noite) num
lugar qualquer. Nada pode ser mais interessante, divertido ou curioso do que um
encontro (embora, claro, fictício) desses.
O
diabo sempre foi um personagem que nos aguçou (ou tem aguçado) a imaginação.
É
uma página de Rubem Braga que aparece em várias antologias de crônicas e em
algumas que ele mesmo editou.
A
forma como Braga conduz a história revela uma arte única na formulação de
perguntas e respostas, que é uma verdadeira aula para quem se inicia no
aprendizado das letras ou pretende seguir carreira idêntica.
Curioso
é que o texto que pela primeira vez li, na sua fórmula impressa, não o vi mais
repetido em outras edições (como numa recente que adquiri), que, a meu ver, o
empobreceu um pouco. Revelou-me que o tratamento gráfico de um trabalho
literário tem tudo a ver com sua qualidade.
Evidentemente
que tem muito pouco a perder com isso a crônica famosa do Braga.
(agosto/09)
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