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Saturday, September 28, 2013

ASCHENBACH - Hamilton Alves


Um dos maiores personagens da literatura universal, Gustav Aschenbach, que, numa tarde de primavera do ano de 19..., sai de sua residência, na Rua do Príncipe Regente, em Munique (conta o início de “Morte em Veneza”), para um passeio solitário, vive a tragédia de sua vida, paixão e morte numa viagem que empreende a Veneza para repousar de sua tenaz lida de escritor.
Num exemplar dessa novela, que ganhei de um amigo num natal de 1984, - já a tinha lido de outro exemplar que trago comigo de muito tempo – contam-se exatamente 109 páginas, numa edição da “Nova Fronteira”.
Paulo Francis disse, em seu livro de pequenos registros, “O dicionário da Corte”, compilado e organizado por Daniel Piza, que essa pequena, mas grandiosa obra, que Visconti levou ao cinema não de forma tão bem sucedida (Aschenbach vira músico em vez de escritor), é a melhor dentre todas produzidas por Thomas Mann.
Li “A montanha Mágica”, “Doutor Fausto” em parte, “Tonio Kroger” e um volume de contos do grande escritor e ainda li “O impostor Felix Krull”, parcialmente também. De todos achei que essa novela ocupa, na obra de Mann, um lugar de destaque, não apenas pelo trabalho literário em si, mas pelo tratamento dado a esse grande personagem, Gustav Aschenbach, que, buscando a paz e o descanso na exuberante cidade italiana, acaba, bem ao contrário, se envolvendo com o inferno de uma paixão avassaladora por um adolescente de beleza rara, Tádzio, que, em vários momentos, até a exaustão, persegue por toda a cidade ou fica fascinado quando de seu aparecimento no salão do hotel, junto com outros membros de uma família polonesa, guiados por uma governanta, de muita distinção.
O episódio de sua fuga de Veneza mal sucedida, quando há o providencial extravio de sua mala, fazendo com que retorne pelo mesmo vapor ao Lido, lhe causa um grande alvoroço de ânimo por só constatar que ali voltaria a se encontrar com o objeto dessa paixão.
A deflagração da peste em Veneza é outro fato que o traz apreensivo em função não de si mesmo, mas do jovem belo, Tádzio, por cuja vida começa a se preocupar.
A sua exaltação quando percebe, em certa tarde, que Tádzio tem consciência ou corresponde a essa desmedida paixão, entreolhando-se no cruzamento do hotel, é outro destaque de sua existência tormentosa nessa passagem por Veneza.
E, finalmente, sua morte na praia, sentado numa cadeira, lendo os  jornais do dia, acometido do mal oriundo de manifestações da epidemia que se alastra claramente, revelando-se, sobretudo, em medidas preventivas de autoridades sanitárias.
Havia comido adquiridos numa quitanda, os morangos fatídicos, nos quais se alojara o vírus da doença.
Mas antes que isso ocorresse, deparara-se com Tádzio, cuja silhueta se perdia aos seus olhos, no mar, numa grande distância.
Que paixão é essa, de origem homossexual, perguntam-se os críticos?
Há quem entenda que Aschenbach via em Tádzio a expressão máxima do belo, que jamais conseguiria traduzir na obra de arte. Seria ele, assim, um símbolo da beleza inexprimível. Seja como for, não se deslustra nem se compromete essa novela extraordinária, em que Thomas Mann alcançou uma grandeza literária poucas vezes conseguida.
“Morte em Veneza”, bem ao contrário do título, exulta de vida nessas poucas cem páginas.


(julho/08)

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