Um
dos maiores personagens da literatura universal, Gustav Aschenbach, que, numa
tarde de primavera do ano de 19..., sai de sua residência, na Rua do Príncipe
Regente, em Munique (conta o início de “Morte em Veneza”), para um passeio
solitário, vive a tragédia de sua vida, paixão e morte numa viagem que
empreende a Veneza para repousar de sua tenaz lida de escritor.
Num
exemplar dessa novela, que ganhei de um amigo num natal de 1984, - já a tinha
lido de outro exemplar que trago comigo de muito tempo – contam-se exatamente
109 páginas, numa edição da “Nova Fronteira”.
Paulo
Francis disse, em seu livro de pequenos registros, “O dicionário da Corte”,
compilado e organizado por Daniel Piza, que essa pequena, mas grandiosa obra,
que Visconti levou ao cinema não de forma tão bem sucedida (Aschenbach vira
músico em vez de escritor), é a melhor dentre todas produzidas por Thomas Mann.
Li
“A montanha Mágica”, “Doutor Fausto” em parte, “Tonio Kroger” e um volume de
contos do grande escritor e ainda li “O impostor Felix Krull”, parcialmente
também. De todos achei que essa novela ocupa, na obra de Mann, um lugar de
destaque, não apenas pelo trabalho literário em si, mas pelo tratamento dado a
esse grande personagem, Gustav Aschenbach, que, buscando a paz e o descanso na
exuberante cidade italiana, acaba, bem ao contrário, se envolvendo com o
inferno de uma paixão avassaladora por um adolescente de beleza rara, Tádzio,
que, em vários momentos, até a exaustão, persegue por toda a cidade ou fica
fascinado quando de seu aparecimento no salão do hotel, junto com outros
membros de uma família polonesa, guiados por uma governanta, de muita distinção.
O
episódio de sua fuga de Veneza mal sucedida, quando há o providencial extravio
de sua mala, fazendo com que retorne pelo mesmo vapor ao Lido, lhe causa um
grande alvoroço de ânimo por só constatar que ali voltaria a se encontrar com o
objeto dessa paixão.
A
deflagração da peste em Veneza é outro fato que o traz apreensivo em função não
de si mesmo, mas do jovem belo, Tádzio, por cuja vida começa a se preocupar.
A
sua exaltação quando percebe, em certa tarde, que Tádzio tem consciência ou
corresponde a essa desmedida paixão, entreolhando-se no cruzamento do hotel, é
outro destaque de sua existência tormentosa nessa passagem por Veneza.
E,
finalmente, sua morte na praia, sentado numa cadeira, lendo os jornais do dia, acometido do mal oriundo de
manifestações da epidemia que se alastra claramente, revelando-se, sobretudo,
em medidas preventivas de autoridades sanitárias.
Havia
comido adquiridos numa quitanda, os morangos fatídicos, nos quais se alojara o
vírus da doença.
Mas
antes que isso ocorresse, deparara-se com Tádzio, cuja silhueta se perdia aos
seus olhos, no mar, numa grande distância.
Que
paixão é essa, de origem homossexual, perguntam-se os críticos?
Há
quem entenda que Aschenbach via em Tádzio a expressão máxima do belo, que
jamais conseguiria traduzir na obra de arte. Seria ele, assim, um símbolo da
beleza inexprimível. Seja como for, não se deslustra nem se compromete essa
novela extraordinária, em que Thomas Mann
alcançou uma grandeza literária poucas vezes conseguida.
“Morte
em Veneza”, bem ao contrário do título, exulta de vida nessas poucas cem
páginas.
(julho/08)
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