Ítalo
Calvino, quando foi convidado a participar de uma palestra numa universidade de
Harvard, nos Estados Unidos, para a qual eram convocados os grandes nomes da
literatura mundial, enfileirando seis temas, um deles seria uma abordagem do
personagem Bartleby, da novela de Melville “Bartleby, o escrivão”, escreveu
cinco em seu país, a Itália, e deixou a última, exatamente a que abordaria essa
novela ou seu personagem, para produzi-la quando já estivesse no local da palestra.
Como ocorre sempre, quando procrastinamos alguma atividade ou compromisso, na
suposição de que podemos contar a nosso favor com o fator tempo, Calvino não a
escreveu – e, certamente, a atração recairia notadamente para os conhecedores
dessa novela ou do personagem Bartleby, de preferência sobre ela, que
despertava sem dúvida maior curiosidade de como enfrentaria o difícil
tratamento do tema.
Teria
o título, segundo Calvino diz, em “Seis propostas para o próximo milênio”
(Companhia das Letras, 140 pgs.), de “Consistência”. Nos cinco outros, Calvino
saiu-se muito bem, até excelentemente, constituindo-se essa leitura num dos
momentos mais ricos de minha experiência de leitor.
Mas
quando disse, no limiar do livro, que deixara de abordar a obra de Melville e,
especialmente, seu personagem admirável, um dos maiores da grande literatura,
fiquei como a mesma sensação de quem perdera um objeto valioso e de que nunca
mais poderia recuperá-lo, tal a importância para mim de um escritor da altura
de Calvino ter produzido esse ensaio.
Teria
sido bem sucedido na difícil tarefa a que teria se imposto? Ou fracassaria? Ou
não a enfrentou justamente pelo medo de ser mal sucedido. Não seria de forma
alguma fácil realizá-la mesmo que se resumisse a poucas páginas, como, de
resto, se constituíram as demais cinco que produziu admiravelmente.
Haverá
um ensaio de algum autor de alto nível, como Calvino o era, que levou a cabo
esse trabalho? Desconheço-o.
Borges
compareceu à mesma universidade para realizar idêntica palestra, com o título
de “Sete Noites”, que publicou em livro, que é um momento muito feliz da
carreira do grande escritor. Fez a tradução da novela de Melville para a sua
língua nativa, o espanhol, sendo ele, como sabido, um poliglota e cultor de línguas.
Tal tradução foi uma das mais felizes que conheço, considerando a francesa, a
italiana (sobre esta não tenho muita autoridade para avaliar, muito pouco a conheço;
mas a feita pelo escritor argentino alcança um padrão de qualidade que
ultrapassa as demais conhecidas) e a nossa própria, portuguesa.
Borges,
sim, teria reunido as condições necessárias para lograr com pleno sucesso um
ensaio sobre esse grande personagem, Bartleby. Limitou-se a um pequeno prefácio
na tradução que fez, que, embora curto, é igualmente admirável.
Mas
Calvino nos deixou a ver navios.
(set/10)
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