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Wednesday, September 25, 2013

BARTLEBY - Hamilton Alves


Ítalo Calvino, quando foi convidado a participar de uma palestra numa universidade de Harvard, nos Estados Unidos, para a qual eram convocados os grandes nomes da literatura mundial, enfileirando seis temas, um deles seria uma abordagem do personagem Bartleby, da novela de Melville “Bartleby, o escrivão”, escreveu cinco em seu país, a Itália, e deixou a última, exatamente a que abordaria essa novela ou seu personagem, para produzi-la quando já estivesse no local da palestra. Como ocorre sempre, quando procrastinamos alguma atividade ou compromisso, na suposição de que podemos contar a nosso favor com o fator tempo, Calvino não a escreveu – e, certamente, a atração recairia notadamente para os conhecedores dessa novela ou do personagem Bartleby, de preferência sobre ela, que despertava sem dúvida maior curiosidade de como enfrentaria o difícil tratamento do tema.
Teria o título, segundo Calvino diz, em “Seis propostas para o próximo milênio” (Companhia das Letras, 140 pgs.), de “Consistência”. Nos cinco outros, Calvino saiu-se muito bem, até excelentemente, constituindo-se essa leitura num dos momentos mais ricos de minha experiência de leitor.
Mas quando disse, no limiar do livro, que deixara de abordar a obra de Melville e, especialmente, seu personagem admirável, um dos maiores da grande literatura, fiquei como a mesma sensação de quem perdera um objeto valioso e de que nunca mais poderia recuperá-lo, tal a importância para mim de um escritor da altura de Calvino ter produzido esse ensaio.
Teria sido bem sucedido na difícil tarefa a que teria se imposto? Ou fracassaria? Ou não a enfrentou justamente pelo medo de ser mal sucedido. Não seria de forma alguma fácil realizá-la mesmo que se resumisse a poucas páginas, como, de resto, se constituíram as demais cinco que produziu admiravelmente.
Haverá um ensaio de algum autor de alto nível, como Calvino o era, que levou a cabo esse trabalho? Desconheço-o.
Borges compareceu à mesma universidade para realizar idêntica palestra, com o título de “Sete Noites”, que publicou em livro, que é um momento muito feliz da carreira do grande escritor. Fez a tradução da novela de Melville para a sua língua nativa, o espanhol, sendo ele, como sabido, um poliglota e cultor de línguas. Tal tradução foi uma das mais felizes que conheço, considerando a francesa, a italiana (sobre esta não tenho muita autoridade para avaliar, muito pouco a conheço; mas a feita pelo escritor argentino alcança um padrão de qualidade que ultrapassa as demais conhecidas) e a nossa própria, portuguesa.
Borges, sim, teria reunido as condições necessárias para lograr com pleno sucesso um ensaio sobre esse grande personagem, Bartleby. Limitou-se a um pequeno prefácio na tradução que fez, que, embora curto, é igualmente admirável.
Mas Calvino nos deixou a ver navios.

(set/10)                                                         
                                              
                                              

  

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