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Monday, October 14, 2013

A DESVENTURA DE JIRKOV - Hamilton Alves

  
Tchecov continua sendo o grande contista a empolgar leitores de todo o mundo com suas histórias curtas, que têm sempre um conteúdo exemplar ou de singular humanismo. Ou engraçadas ou bem humoradas, como é o caso da que se recolhe num volume de contos, editado pela LP&M, que tem o título “Um Homem Extraordinário”. Poucos escritores o igualam na arte do conto; nenhum o supera.
Num conto de oito páginas nesse livro de bolso – “História desagradável” – o personagem Jirkov vai de caleça à casa da amante, esperando por uma noite que o pague de enfrentar uma estrada lamacenta e de muita chuva. Troca umas palavras com o cocheiro.
- Foste algum dia amante? Certo não és poeta para avaliar o quanto isso importa na vida.
A seguir, pede-lhe que deixe à frente da casa de sua amada o vestido empacotado, com um buquê de flores e um queijo, que lhe deverá entregar. Isso é feito por ele com um pouco de má vontade, enfiando os sapatos no lamaçal.
O cocheiro parte e o deixa entregue à contingência de bater à porta da amante. Ela o vê encharcado pela chuva, com frio, e avisa-lhe que o marido, caixeiro-viajante, inesperadamente, voltou de viagem.
- Ora, que maçada! – diz.
Diante de tal situação que fazer?                 
Ele bem conhecia o marido, um francês, de nome Boiseau, bigodudo, com amplas suíças. Senta-se no vestíbulo da casa sem saber que atitude tomar. Até que se resolve a pressionar a sineta para entregar o vestido, caso contrário se perderia exposto ao aguaceiro. 
Vem atendê-lo o marido, que, arrastando um sotaque francês, pergunta-lhe:
- O que querrr a senhorrr?
Jirkov inventa uma história de ter sido encarregado de trazer o vestido a sua esposa. Entrementes, lamenta-se de estar ensopado pela chuva, com frio, e o pior é que a caleça que o trouxe foi-se embora e por ali não existe à vista nenhuma forma de conseguir outra para voltar. O marido manda que entre, acolhe-o por alguns momentos, chama a mulher, que recebe o vestido, as flores e o queijo, e diz-lhe que nada se pode fazer diante do fato de o marido ter voltado de viagem. Jirkov é devolvido à rua. Vai passar a noite num coreto, único lugar que o impedirá de não ficar exposto ao mau tempo.
Lembra-se que, no dia seguinte, muito terão que rir dele os amigos quando lhes contar a sua malograda visita à amante.
Chapinhando na lama com suas galochas, sob a chuva inclemente, Jirkov recorda-se que tanto alimentava a ideia de passar bons momentos sob o calor da amante, depois de uma viagem tão longa.
Na sombra da noite sua figura vai pouco a pouco se desvanecendo, evocando seu escritório em que poderia estar agora bem instalado e agasalhado. Um sentimento misto de ridículo e malogro invade-lhe a alma.
É um conto literariamente perfeito, revelador da arte desse escritor incomparável.


(abr/10).

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