Tchecov
continua sendo o grande contista a empolgar leitores de todo o mundo com suas
histórias curtas, que têm sempre um conteúdo exemplar ou de singular humanismo.
Ou engraçadas ou bem humoradas, como é o caso da que se recolhe num volume de
contos, editado pela LP&M, que tem o título “Um Homem Extraordinário”.
Poucos escritores o igualam na arte do conto; nenhum o supera.
Num
conto de oito páginas nesse livro de bolso – “História desagradável” – o personagem
Jirkov vai de caleça à casa da amante, esperando por uma noite que o pague de
enfrentar uma estrada lamacenta e de muita chuva. Troca umas palavras com o
cocheiro.
-
Foste algum dia amante? Certo não és poeta para avaliar o quanto isso importa na
vida.
A
seguir, pede-lhe que deixe à frente da casa de sua amada o vestido empacotado,
com um buquê de flores e um queijo, que lhe deverá entregar. Isso é feito por
ele com um pouco de má vontade, enfiando os sapatos no lamaçal.
O
cocheiro parte e o deixa entregue à contingência de bater à porta da amante.
Ela o vê encharcado pela chuva, com frio, e avisa-lhe que o marido,
caixeiro-viajante, inesperadamente, voltou de viagem.
-
Ora, que maçada! – diz.
Diante
de tal situação que fazer?
Ele
bem conhecia o marido, um francês, de nome Boiseau, bigodudo, com amplas
suíças. Senta-se no vestíbulo da casa sem saber que atitude tomar. Até que se
resolve a pressionar a sineta para entregar o vestido, caso contrário se
perderia exposto ao aguaceiro.
Vem
atendê-lo o marido, que, arrastando um sotaque francês, pergunta-lhe:
-
O que querrr a senhorrr?
Jirkov
inventa uma história de ter sido encarregado de trazer o vestido a sua esposa.
Entrementes, lamenta-se de estar ensopado pela chuva, com frio, e o pior é que
a caleça que o trouxe foi-se embora e por ali não existe à vista nenhuma forma
de conseguir outra para voltar. O marido manda que entre, acolhe-o por alguns
momentos, chama a mulher, que recebe o vestido, as flores e o queijo, e diz-lhe
que nada se pode fazer diante do fato de o marido ter voltado de viagem. Jirkov
é devolvido à rua. Vai passar a noite num coreto, único lugar que o impedirá de
não ficar exposto ao mau tempo.
Lembra-se
que, no dia seguinte, muito terão que rir dele os amigos quando lhes contar a
sua malograda visita à amante.
Chapinhando
na lama com suas galochas, sob a chuva inclemente, Jirkov recorda-se que tanto
alimentava a ideia de passar bons momentos sob o calor da amante, depois de uma
viagem tão longa.
Na
sombra da noite sua figura vai pouco a pouco se desvanecendo, evocando seu
escritório em que poderia estar agora bem instalado e agasalhado. Um sentimento
misto de ridículo e malogro invade-lhe a alma.
É
um conto literariamente perfeito, revelador da arte desse escritor incomparável.
(abr/10).
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