A
obra de Marcel Duchamp vem sendo polemizada desde seu surgimento na cena
artística. Ainda há dias li uma resenha de jornal em que se punha em xeque o
ready-made que ele descobriu ou inventou. Ou, como os franceses o chamam,
“object trouvé”.
Foi
mais longe em sua iconoclastia: pintou um bigode no retrato da Monalisa, de
Miguel Ângelo. Discute-se ou pergunta-se com que sentido teria feito isso. Ora,
Duchamp dizia que a arte de cavalete estava encerrada e que o fator retiniano
não poderia mais preponderar na arte. A obra se destina, mais que tudo, à
reflexão e menos à contemplação ou ao gozo visual.
Descobriu
o óbvio, ou seja, que todas as coisas têm formas. Daí ter descoberto que o penico,
que foi recusado numa mostra feita, em Paris, no salão dos independentes,
acabasse sendo consagrado como obra de arte, ocupando um lugar numa das salas
do Museu do Louvre, com a assinatura de R. Mutt.
Um
visitante do museu urinou no penico de Duchamp e pagou uma multa de 400 mil dólares
por ter incorrido nesse atentado à sacralidade da obra. Em sua defesa, alegou
que tinha seguido à risca a doutrina de Duchamp, mas isso não lhe valeu de
nada.
Outro
fato foi que a roda de bicicleta, que também transformou em obra de arte, que
está exposta no MASP (Museu de Arte de São Paulo), foi jogada no lixo por sua
filha, quando a viu jogada num canto e, pior, enferrujada. (a primitiva, essa
ora exposta no MASP é uma cópia ou é outra; qualquer roda de bicicleta pode
substituir a primitiva; não há nada de original entre a primeira e as seguintes
que lhe ocuparam o lugar em outros museus).
Tem
outros feitos mais arrojados ainda. Pôs numa cesta vários objetos de tudo
quanto era espécie e apresentou-a como obra de arte numa exposição se não me
engano em Nova York.
O
fato é que Duchamp queira-se ou não, abriu um novo episódio na história da
arte. Ou simplesmente acabou com o conceito de arte. O que é predominante, em
nosso tempo, é a anti-arte. Seguiu-se, como conseqüência natural, o fenômeno das
instalações, que são o reflexo das teorias duchampianas.
Duchamp
deu alguma contribuição à arte?
De
certo modo sim. Ele abriu nova perspectiva ao fenômeno arte, libertando a arte
da rigidez dos conceitos fechados ou das escolas todas que o aprisionavam numa
fórmula que só valia para seus adeptos, como o impressionismo, fauvismo,
expressionismo, cubismo, dadaísmo, surrealismo, etc. Cada uma delas tinha e tem
um suporte teórico, que a limita.
O
“ready made”, tal como descoberto por Duchamp, revelou que a forma é arte ou
arte é forma. Mas com isso criou-se um impasse: nada mais é arte e tudo é arte.
Chega-se, assim, a uma contradição na própria definição do que seja arte.
Com
isso, mais que uma contradição, confinou-se o conceito de arte a um beco sem
saída. Se tudo é arte e nada é arte, conclui-se que a arte foi pro brejo.
Vivemos
o clima ou o triunfo das teorias de Duchamp, com as instalações, que se
apresentam umas diferentes de outras, mas dentro do mesmo espírito de
concepção. A pergunta é: para onde caminhará a arte?
Quem
o saberá.
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