Total Pageviews

Friday, October 25, 2013

DUBLINENSES - Hamilton Alves


A iniciativa de um grupo paulista, tendo os irmãos Campos (Haroldo e Augusto) à frente, de comemorar o Bloomsday (dia de Bloom), personagem de James Joyce, em Ulisses, romance que foi escrito para acabar com todos os romances (ou esse epíteto vale para Finnegans Wake? – agora balanço na dúvida), contagiou o pessoal da Ilha, com a longa programação para o próximo 16 de julho, que é o dia em que Joyce conheceu sua mulher, em Dublin, e com ela se casou de modo não oficial, que, na pia batismal, recebeu o nome de Norma Barnacle.
Joyce teve que sair de Dublin, que, no dizer dele, era a cidade da infelicidade, tal era, na sua visão, o espírito reacionário que dominava tudo por aquelas bandas.
Diz-se que Ulisses foi recusado em Dublin. Recusou-o uma das potestades das letras irlandesas, ninguém menos que o dramaturgo muito conhecido, Bernard Shaw, com essas duras palavras:
“Ulisses é um registro repulsivo de uma fase repugnante da civilização”.
Essas palavras foram colhidas de uma carta que Shaw enviou à editora de Ulisses, Sylvia Beach. O único livro que editou. Ela era dona da livraria Shakespeare & Company, na rue de l’Odeon, em Paris, que era muito frequentada por Joyce nos maus tempos de argola total. Pequeno detalhe sobre a obra: Sylvia diz, no livro em que narrou esses fatos, que Joyce acrescentou vários trechos a “Ulisses” na medida em que ali mesmo na livraria fazia sua revisão.
Sylvia (que tinha um caso com Adrienne Monnier) adorava Joyce, nas suas próprias palavras: “eu idolatrava James Joyce”.
Voltando às palavras de Shaw, o que parece incrível ter um homem de sua estatura intelectual dito uma tolice dessas sobre a obra máxima de Joyce (consideremos Finnegans Wake também), pode-se imaginar o que um escritor, com a independência intelectual de Joyce, sofria em sua própria terra. Daí ter dito sobre ela o que disse.
Mas queria me reportar, afinal de contas, aos contos “Dublinenses”, que nada mais que vinte editoras recusaram-se a publicar (todas de Dublin). O livro contém quinze contos apenas. Constitui toda a obra, no gênero, de Joyce. São quinze contos que deve ter escolhido a dedo de outros que jogou no lixo ou dos quais não gostou, certamente. O melhor para o senhor qual é? O senhor me retrucaria: e para você?
Pois lhe digo sem rebuços: para mim é “Contrapartida”, não obstante “Os mortos” ser apontado pela maioria das pessoas (ou da crítica) como o melhor de todos. É, inegavelmente, um excelente conto, que não nos esquecemos mais.  Mas em “Contrapartida” gosto muito de seu personagem, Farrington, um empregado de escritório, que tem um conflito com o chefe. Diz-lhe na lata umas boas palavras, muito francas e duras, que, depois, quando bêbado nos bares, fica repetindo para os amigos, como se fora a grande proeza de sua vida. Pega um adiantamento em dinheiro para fazer seu “trottoir” pelos bares e, no fim da noite, nem mesmo consegue se embebedar, que era tudo que mais desejava. Chega em casa, com um buraco na alma (ou vários buracos). Quem paga o pato é o filho, a quem pergunta se a comida está quente.
- Ah, não está quente! Então você vai me prestar contas.
Apronta-se para surrar o filho por essa ninharia quando este, em pânico, lhe diz: “não me bata, papai. Não me bata; eu rezo uma Ave Maria pro senhor; eu rezo...”.
Farrington, de certo modo, somos todos nós, que devemos cada qual ter vivido situação semelhante.
Joyce poderia ter escrito somente “Dublinenses”. E teria sido certamente um escritor bem realizado e famoso.


(Junho/08).                                                    
                       



No comments:

Post a Comment