Total Pageviews

Tuesday, October 1, 2013

ÁGUA DE POTE - Hamilton Alves


- Você nuca tomou água de pote?
Então nada sabe sobre uma das boas coisas da vida, não só em relação à água, mas sobre o som que faz o caneco quando entra e sai de dentro do pote (de barro, como convém, obviamente).
Lembro-me de quando Luiz Gonzaga, autor de uma das músicas mais belas do cancioneiro popular brasileiro, “Asa Branca”, foi a Pernambuco visitar seu velho pai Januário, que lhe tinha ensinado tudo de música. Conta Luiz que, quando se aproximou da casa do velho, ouviu retinir o caneco dentro do pote, que foi um som que o acompanhou pela vida toda na convivência com Januário.
De longe, Luiz lhe disse (contado por ele):
- Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo.
Januário lhe respondeu:
- Para sempre seja louvado.
Fui criado numa casa em que não havia água de torneira. Muito menos de chuveiro. Banho era tomado de bacia, que as havia de todos os tamanhos e feitios, à escolha do interessado, com água de chaleira, que vinha quentinha de cima da chapa do fogão à lenha, onde eram feitas outras coisas, a comida, o café, e tudo o mais.
O fogo (de paus de lenha) era aceso já de manhã cedo. A lenha verde (da qual minha avó reclamava muito) queimava com certa dificuldade. Era preciso que estivesse bem seca, caso contrário levava um bom tempo até arder em chama.
Era bom ver o crepitar em brasa da lenha dentro do fogão, com uma ampla chapa de ferro por cima, com três ou quatro aberturas, umas menores, outras maiores, que eram aumentadas ou reduzidas de tamanho, com peças acessórias circulares.
Ficava na contemplação desse foguinho, que me fazia perder horas a fio. O fogo sempre exerceu sobre as pessoas esse fascínio. Olhando-o, dentro do fogão, formava crateras escuras e amarelas, por onde penetrava o olhar embevecido do menino que ainda mal tinha aprendido a beleza das coisas. Ou seus mistérios.
À frente do fogão, despontava a figura de minha avó, que sabia bem acender o fogo, soprá-lo até às vezes à exaustão. Quantas vezes ouvia-a praguejar, quando não queria pegar. Levava tempo até consegui-lo, quando então, em geral, se desmanchava num longo sorriso de vencer a resistência da lenha, que era comprada a metro, trazida às vendolas por um carroceiro, que numa serraria a cortava em pequenos pedaços, destinados a fins domésticos.
Era um mundo ainda não alcançado pela sociedade da máquina, em que tudo era mais simples e por isso mesmo mais cheio de encantos.
E o calorzinho que vinha ou se irradiava do fogão com os paus de lenha!
Para essa delícia não há palavras para bem definir.


(maio/10)

No comments:

Post a Comment