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Você nuca tomou água de pote?
Então
nada sabe sobre uma das boas coisas da vida, não só em relação à água, mas
sobre o som que faz o caneco quando entra e sai de dentro do pote (de barro,
como convém, obviamente).
Lembro-me
de quando Luiz Gonzaga, autor de uma das músicas mais belas do cancioneiro popular
brasileiro, “Asa Branca”, foi a Pernambuco visitar seu velho pai Januário, que
lhe tinha ensinado tudo de música. Conta Luiz que, quando se aproximou da casa
do velho, ouviu retinir o caneco dentro do pote, que foi um som que o
acompanhou pela vida toda na convivência com Januário.
De
longe, Luiz lhe disse (contado por ele):
-
Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo.
Januário
lhe respondeu:
-
Para sempre seja louvado.
Fui
criado numa casa em que não havia água de torneira. Muito menos de chuveiro.
Banho era tomado de bacia, que as havia de todos os tamanhos e feitios, à
escolha do interessado, com água de chaleira, que vinha quentinha de cima da
chapa do fogão à lenha, onde eram feitas outras coisas, a comida, o café, e
tudo o mais.
O
fogo (de paus de lenha) era aceso já de manhã cedo. A lenha verde (da qual
minha avó reclamava muito) queimava com certa dificuldade. Era preciso que
estivesse bem seca, caso contrário levava um bom tempo até arder em chama.
Era
bom ver o crepitar em brasa da lenha dentro do fogão, com uma ampla chapa de
ferro por cima, com três ou quatro aberturas, umas menores, outras maiores, que
eram aumentadas ou reduzidas de tamanho, com peças acessórias circulares.
Ficava
na contemplação desse foguinho, que me fazia perder horas a fio. O fogo sempre
exerceu sobre as pessoas esse fascínio. Olhando-o, dentro do fogão, formava
crateras escuras e amarelas, por onde penetrava o olhar embevecido do menino
que ainda mal tinha aprendido a beleza das coisas. Ou seus mistérios.
À
frente do fogão, despontava a figura de minha avó, que sabia bem acender o
fogo, soprá-lo até às vezes à exaustão. Quantas vezes ouvia-a praguejar, quando
não queria pegar. Levava tempo até consegui-lo, quando então, em geral, se
desmanchava num longo sorriso de vencer a resistência da lenha, que era
comprada a metro, trazida às vendolas por um carroceiro, que numa serraria a
cortava em pequenos pedaços, destinados a fins domésticos.
Era
um mundo ainda não alcançado pela sociedade da máquina, em que tudo era mais
simples e por isso mesmo mais cheio de encantos.
E
o calorzinho que vinha ou se irradiava do fogão com os paus de lenha!
Para
essa delícia não há palavras para bem definir.
(maio/10)
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