Ouço
dizer que houve um jornalista, que, por sinal admiro muito não só apenas como
tal, mas do que sei dele pessoalmente na área privada, que andou mandando o pau
na obra de Vitor Meirelles, “A primeira Missa do Brasil”. Dois outros jornalistas
já tinham feito gozação em cima dessa obra monumental (Ziraldo e Paulo
Francis). Para este último mandei um bilhete reprovando sua crítica, juntando
um artigo de um filólogo, de que não lembro o nome agora, que fazia o elogio dessa
obra do nosso grande artista. Francis voltou a escrever na sua coluna que tinha
feito a maldosa referência ao quadro de Meirelles de brincadeira, referindo que
um leitor de Blumenau lhe mandara um recado contestatório do comentário que
fizera. O leitor de Blumenau só poderia ser eu ou houve muita coincidência
entre o meu e o reparo desse leitor. O fato que chega ao meu conhecimento é que
o citado jornalista teria entendido que o grande artista a retratou com bases
em dados históricos que lhe foram passados, mas que se situaram bem longe de
como devem ter ocorrido na realidade.
Vitor
não poderia ter assistido à cena da Primeira Missa, obviamente, que foi rezada
a 22 de abril de 1.500. Veio ao mundo em 1831 ou 1832, mais de 300 anos depois.
A
história de como esse quadro foi concebido vem narrada num dos painéis de sua apresentação
no museu do CIC e já não me lembro quem foi que sugeriu ao pintor que retratasse
a Primeira Missa, rezada por frei Henrique de Coimbra, nos idos da descoberta.
Vitor pôs mãos à obra guiado apenas por dados históricos.
A
notícia que tenho é que o jornalista menoscabou o quadro (faço referências ao
fato louvado em informações precárias; nada sei ao certo de tal versão, daí ter
o cuidado de não mencionar o nome do jornalista), deixando-se o pintor levar,
assim, mais pelo contado ou informado do que por dados mais precisos. Por tal
razão, entendeu que o quadro fica de certo modo comprometido em seu valor, já
que é mais uma obra de ficção do que o retrato perfeito da realidade.
Levado
por esse critério, o analista ou crítico de Guernica, de Picasso, também há de
levantar a hipótese de que o pintor catalão não se sustentou na realidade dos
fatos, pois não esteve presente ao bombardeio da cidade basca. A obra de
Picasso não procurou retratar o bombardeio tal qual deve ter ocorrido. O
quadro, sob muitos aspectos, é uma abstração. Ou uma fantasia em cima de um
fato real. Por isso mesmo a comparação que se quer fazer entre um e outro
quadros não tem cabimento – há de se dizer. Ainda que bastante razoável o
argumento, o fato que pretendo sustentar é que um episódio pode ser retratado
pelo conhecimento histórico que se tem dele, independentemente de o artista o
ter assistido ou presenciado. Prevalecesse essa tese, a arte estaria vedada à
criação ou à invenção ou à reprodução do real mesmo que em caráter ficcional. O
fato de ter sido concebido com base no que o pintor sabia dos fatos históricos
(volto a dizê-lo), obviamente, não prejudica em nada a validade artística da obra.
Mas
fugindo um pouco ao tema (ou sem procurar avançar sobre ele, até porque não
tenho informes mais precisos sobre o artigo do jornalista), revelo que voltei pela
quarta vez a ver a tela de Vitor Meirelles.
Ao
mesmo tempo (por feliz coincidência) que me deleitava em apreciar mais uma vez
essa tela de nosso inexcedível artista conterrâneo, espalhavam-se no recinto do
museu do CIC obras que pertenceram ao colecionador Gilberto Chateaubriand, envolvendo
mais de 100 de seu acervo particular, com nomes famosos da pintura moderna como
Di Cavalcanti, Guignard, Tarsila do Amaral, Pancetti, Aldo Bonadei, Djanira,
Ismael Nery, Carlos Scliar, Cícero Dias e tantos outros, que retratam outra linha
da pintura, que está mais próxima de nosso tempo e que, sem dúvida, têm igualmente
grande validade artística.
Mas
quando, depois de vê-las, chega-se à monumental obra de Vitor Meirelles, o
silêncio nos penetra, revelando-nos uma majestade tal que aqueles outros artistas
modernos se encolhem e de certo modo se desfiguram. Constata-se, então, que a
arte de Vitor Meirelles alcança um nível de valor que as demais não a
acompanham. Ficamos imaginando se algum dia viveremos outra renascença, que
sepulte para sempre esse momento degradante do lixo das instalações dessa era
duchampiana.
(maio/08)
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