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Tuesday, October 22, 2013

ESPELUNCA - Hamilton Alves


Há quem possa considerar isso anormal, mas adoro uma espelunca. Tal preferência demandaria uma análise psicanalítica? Em primeiro lugar, não acredito em psicanálise. Acho as teorias psicanalistas meio furadas. Posso viver bem sem essa muleta. Ou prescindindo dela. As pessoas acabam escravas das receitas impostas ou descritas por ela. É uma servidão interminável.
Minhas raízes, digamos, sociais são de um garoto que conviveu bem de perto com a pobreza. Se é que isso possa ser um dado sobre o qual a psicanálise poderia abrir alguma luz.
As coisas simples sempre me encantaram mais do que as sofisticadas. Tudo que é simples é mais belo. Ou tem um encanto próprio ou todo especial. Uma espelunca é uma coisa inteiramente desprovida de artifícios.
Não faz muitos anos, fui a Curitiba com a família, que embarcou num ônibus de volta. Fiquei retido por lá mais um dia (nem me lembro o motivo).  Escolhi para pernoitar uma espelunca próxima à rodoviária, sob os protestos de todos.
- O senhor pode perfeitamente se hospedar num hotel mais decente.
- Por uma noite, ficarei aqui nessa espelunca mesmo.
Nem a rigor se tratava de uma espelunca. Era um hotelzinho modesto, mas longe de ser uma espelunca nos moldes em que a conhecemos (ou concebemos).
O quarto que me foi destinado tinha uma cama de casal, um guarda-roupa velhíssimo, com três cabides, dois travesseiros e um cobertor. Era uma peça exígua, em torno de uns vinte metros quadrados. Tinha um espaço sanitário anexo.  Levei jornais, revistas, li-os até adormecer. Consultei os filmes nos cinemas para ver se valia a pena ver algum naquela noite. Mas resolvi mesmo entregar-me aos braços de morfeu.
Houve um episódio curioso. A certa hora, por debaixo da porta de entrada, entrou uma barata. Preocupado que, durante o sono, me molestasse, resolvi matá-la. Armei-me de uma toalha dobrada e fui a sua caça. Dei-lhe três ou quatro bordoadas, mas escapou ilesa de todas. Voou não sei para onde. Ficamos quites. Mas houve, antes, um gato preto, que, à entrada do quarto, enroscou-se-me às pernas.
- Um gato preto? Isso pode ser mau presságio. – disse de mim para mim.
Na verdade, um gato preto, àquela altura, não era nem de longe mau presságio. Quando menos, solitário no quarto, uma presença simpática. Ou amiga.
Fiquei bem instalado.
Na manhã seguinte, vi uma senhora carregando uma trouxa à cabeça.
O gato estava trepado em cima de um cesto, provavelmente de roupa suja. Olhava-me do jeito que olham os gatos.
Paguei a conta do pernoite, dirigi-me à rodoviária. Instalei-me no ônibus. Logo me assaltou o sonho horrível que tive com uma barata gigante, que ameaçava devorar-me.
Noutra crônica, disse que qualquer dia vou passar umas boas horas escondido do mundo no “Hotel” (espelunca ilhoa), na Rua Padre Roma, que tanto fascínio exerce sobre mim.                           

(julho/08)


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