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Tuesday, October 15, 2013

BOUTADES DE NELSON - Hamilton Alves

  
Nelson Rodrigues talvez seja um dos maiores frasistas da literatura brasileira, honra que divide com Machado de Assis, embora as célebres cunhadas por este soem mais profundas.
A expressão ‘óbvio ululante’ é repetida de quando em vez por toda parte. “Ululante” é bem típico da adjetivação colhida do bolso do colete de Nelson, o gênio do achado linguístico, que acaba se consagrando no uso de todos.
Além dessa virtude rara em nossos dias e mesmo até em seu tempo, em que escrevia diariamente uma pequena novela (verdadeiro dramalhão), no jornal “Zero Hora”, de Samuel Wainer, no rodapé da última página, que o jornalista Ruy Castro ouvia sua mãe ler para ele quando ainda um garoto e, mais tarde, organizou um punhado delas, que fez grande sucesso de bilheteria, Nelson é um humorista de primeira linha. Basta ler, para comprová-lo, seu livro “A cabra vadia”, que é um repertório de histórias de grande hilaridade.
Quanto às frases, de lembrar duas pela forma inédita como foram formuladas. Na novela “O casamento”, que é uma boa xaropada do começo ao fim, que fiz duas ou três tentativas de ler infrutíferas, tem uma frase assim: “Todo o velhaco é magro”. Essa definição de velhaco é eminentemente nelsonrodrigueana. Ninguém diria isso não fosse ele. Cultivou a arte de dizer as coisas originalissimamente.
Há outra do mesmo padrão: “A negação de Garricha é de uma aridez de três desertos”. Disse-a quando estava no auge o aproveitamento de Garrincha na seleção brasileira com suas famosas pernas tortas.
Há dias um amigo acercou-se de mim para protestar, até com certo azedume, contra outra frase dele: “O que toda a mulher precisa é de um tanque”.
“Isso não é politicamente correto” – disse-me, reprovando Nelson.
Ora, quem é que vai impugnar os ditos chistosos de Nelson considerando o politicamente correto?
Dane-se o politicamente correto. Outra que lhe pareceu fora de propósito foi Nelson ter dito, abordando o tema do marxismo, a respeito do qual era visceralmente contra, a seguinte e lapidar sentença:
- Marx é uma besta!
Com uma frase apenas desmontou Marx e todo o marxismo.
Já ouço os filósofos de botequim protestar que não se pode comparar a erudição de Marx, afamado no mundo todo, a um simples homem de letras brasileiro.
A erudição sempre é ouvida com grande respeito e fascinação, mas a galhofa ou a mordacidade não contam para o comum das pessoas.
Um homem de cultura popular, como Nelson, não pode, por isso mesmo, se insurgir contra uma sumidade igual a Marx.
Pois sou mais aberto aos pregões dos arautos do popular do que do erudito.
Sou mais Nelson do que Marx. Desconfio de toda a erudição.
            Assino embaixo: “Marx é uma besta”.


(dez/10).                                                                    

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