Nelson
Rodrigues talvez seja um dos maiores frasistas da literatura brasileira, honra
que divide com Machado de Assis, embora as célebres cunhadas por este soem mais
profundas.
A
expressão ‘óbvio ululante’ é repetida de quando em vez por toda parte.
“Ululante” é bem típico da adjetivação colhida do bolso do colete de Nelson, o
gênio do achado linguístico, que acaba se consagrando no uso de todos.
Além
dessa virtude rara em nossos dias e mesmo até em seu tempo, em que escrevia
diariamente uma pequena novela (verdadeiro dramalhão), no jornal “Zero Hora”,
de Samuel Wainer, no rodapé da última página, que o jornalista Ruy Castro ouvia
sua mãe ler para ele quando ainda um garoto e, mais tarde, organizou um punhado
delas, que fez grande sucesso de bilheteria, Nelson é um humorista de primeira
linha. Basta ler, para comprová-lo, seu livro “A cabra vadia”, que é um repertório
de histórias de grande hilaridade.
Quanto
às frases, de lembrar duas pela forma inédita como foram formuladas. Na novela
“O casamento”, que é uma boa xaropada do começo ao fim, que fiz duas ou três
tentativas de ler infrutíferas, tem uma frase assim: “Todo o velhaco é magro”. Essa
definição de velhaco é eminentemente nelsonrodrigueana. Ninguém diria isso não
fosse ele. Cultivou a arte de dizer as coisas originalissimamente.
Há
outra do mesmo padrão: “A negação de Garricha é de uma aridez de três
desertos”. Disse-a quando estava no auge o aproveitamento de Garrincha na
seleção brasileira com suas famosas pernas tortas.
Há
dias um amigo acercou-se de mim para protestar, até com certo azedume, contra outra
frase dele: “O que toda a mulher precisa é de um tanque”.
“Isso
não é politicamente correto” – disse-me, reprovando Nelson.
Ora,
quem é que vai impugnar os ditos chistosos de Nelson considerando o
politicamente correto?
Dane-se
o politicamente correto. Outra
que lhe pareceu fora de propósito foi Nelson ter dito, abordando o tema do
marxismo, a respeito do qual era visceralmente contra, a seguinte e lapidar
sentença:
-
Marx é uma besta!
Com
uma frase apenas desmontou Marx e todo o marxismo.
Já
ouço os filósofos de botequim protestar que não se pode comparar a erudição de
Marx, afamado no mundo todo, a um simples homem de letras brasileiro.
A
erudição sempre é ouvida com grande respeito e fascinação, mas a galhofa ou a
mordacidade não contam para o comum das pessoas.
Um
homem de cultura popular, como Nelson, não pode, por isso mesmo, se insurgir
contra uma sumidade igual a Marx.
Pois
sou mais aberto aos pregões dos arautos do popular do que do erudito.
Sou
mais Nelson do que Marx. Desconfio de toda a erudição.
Assino embaixo: “Marx é uma besta”.
(dez/10).
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