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Sunday, October 27, 2013

ENCONTROS FORTUITOS - Hamilton Alves

  
Estava num café quando sem mais nem menos entrou Hemingway, com seu corpanzil enorme, seus cabelos grisalhos, seu sorriso inigualável, me cumprimentando afetuosamente.
Dirigiu-se à balconista, pediu uma xícara de café com leite com um sanduíche de queijo. Aboletou-se numa cadeira. Deixou suas coisas em cima da mesa.
Hemingway usava um casaco preto enorme, umas calças jeans, uma sacola não sei de que material estranho onde certamente levava seus pertences.
Tive ímpetos de me erguer de onde estava comodamente instalado para lhe perguntar que final triste e trágico foi aquele de quando, sabedor da morte da mulher, Henri saiu pela noite sob a chuva, curtindo uma terrível dor em “Adeus às armas”, que Otto Maria Carpeaux descreveu como sendo a cena mais pungente que já vira descrita numa novela.
Antes de mim, Hemingway se levantara. Fora ao caixa. Pagara sua conta. Saíra tão neutro como entrara, sem ninguém dar por sua presença insólita, a não ser eu, que já me familiarizara com sua obra.
Depois dele entrou Drummond, autor de um poema que Hélio Pelegrino disse que, quando aluno de ginásio, percebeu claramente que ali se dava o rompimento da poesia moderna com a tradicional – “No meio do caminho”.
Drummond parecia neutro. Ou, digamos, alheio a tudo. Mal se comparando, era o tipo de quem comeu e não gostou ou a imagem da indiferença por tudo e por todos.
Não olhou nem cumprimentou ninguém. Sério entrou, sério ficou e sério abalou-se rua afora, logo depois que sorveu uma xícara de chá.
- Chá!... Que coisa estranha tomar chá a essa hora! – disse de mim para mim.
Sempre lhe admirei o poema ”José”, que, a meu ver, merecia se situar entre os dez melhores poemas do século XX em âmbito mundial, mas que a vesguice de uma comissão julgadora, constituída pela Folha de S. Paulo, em 2000, houve por bem de relegar para os dez melhores nacionais.
Drummond, semelhante a Hemingway, sem dar a mínima aos circunstantes, sumiu dentro de um carro que o aguardava.
Por minha vez, a garçonete do café me trouxe um pacote de pães e a conta para pagar.
Fiquei ruminando comigo mesmo como subitamente haviam aparecido ali (ao mesmo tempo) esses dois nomes consagrados das letras.
Até que ouvi lá fora o ruído de uma carroça barulhenta, puxada por um cavalo magricela. O que me alarmou um pouco no fim da madrugada. Uma chuva rala despencava.


(julho/10).        

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