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Sunday, October 13, 2013

AS PLATITUDES DE SARAMAGO - Hamilton Alves

  
O prêmio Nobel deve dar ao seu ganhador uma espécie de aura que o faz julgar-se acima do pensamento corrente e que pode perfeitamente arrogar-se o direito de ditar o último conceito sobre tudo, desde o tema mais complexo que se refere, por exemplo, à existência ou não de Deus, tema, aliás, que tem atravessado sem solução até os dias atuais, envolvendo coisas mais corriqueiras, como a política corrente nos países, a moda de vestir ou o destino do planeta ou teorias sobre o triunfo das ideologias ou seu rotundo fracasso.
Foi assim que num dia desses o escritor José Saramago foi chamado a um auditório, cercado de jornalistas, quatro ou cinco, de críticos de literatura, e de não sei mais quem, para ser interpelado.
Alguns assuntos foram feridos por ele, de preferência os que dizem respeito a Deus. Ele dá, a esse respeito, uma no cravo, outra na ferradura, com dizer-se que nem sempre acerta (ou nunca acerta). Até hoje, que se saiba, ninguém descobriu se Deus existe ou não. De modo que se trata de assunto, de começo, inabordável, que nem mesmo um prêmio Nobel, por mais avisado, deveria arriscar sua opinião, sob pena de cobrir-se de ridículo. Mas Saramago, quando provocado, foi em frente e sapecou que não devia a cura de sua doença a Deus. Quem o salvou foram os médicos e os remédios que lhe foram ministrados.
Quanto a ser comunista, por que sê-lo ou por que não sê-lo? Antes sê-lo. Mesmo depois da fragorosa derrota do comunismo no país que fez uma revolução histórica para adotá-lo, continua firme na idéia de que tudo pode se resolver com a formação de uma sociedade do tipo da preconizada por Marx.
“Sou aquilo que se pode chamar de comunista hormonal”. Essa categoria de comuna não fora ainda catalogada. “Assim como tenho no corpo um hormônio que faz crescer a barba, há outro que me obriga a ser comunista”. De modo que se deduz que, para ser comunista, não precisa mais da razão; os hormônios é que lhe ditam a norma de pensar. No caso, de mal pensar, porque o comunismo obviamente não se sustenta mais; caiu de podre. Mas segue fiel a Marx (embora tenha rompido com Castro), afirmando que “Marx nunca teve tanta razão como agora”. Mas no fim, não se mostrou tão convencido das razões do filósofo alemão: “Vejamos se Marx tem ou não razão”.
“A Bíblia é um livro (diz ele) que não se pode deixar nas mãos de um inocente, só tem maus conselhos, assassinatos, incestos...” Que Bíblia terá lido Saramago? Deve ser alguma que ninguém conhece. Ou ninguém leu.
No fim, falando da literatura brasileira, diz alguma coisa curiosa: ”Há algum tempo os escritores brasileiros estavam presentes em Portugal, e em alguns casos podemos dizer que conhecíamos tão bem a literatura brasileira quanto a portuguesa. Graciliano Ramos, Jorge Amado, João Cabral, Manuel Bandeira, essa gente era lida com paixão (não citou, por estranho, nem Machado nem João Guimarães Rosa, justamente os maiores). Agora que eu saiba não há nenhum escritor brasileiro que seja lido com paixão em Portugal. Não temos obrigação de descobrir o que nem sabemos se existe”. Saramago, como se vê, entrou de sola na falta de escritores brasileiros ou em escritores brasileiros que não constituem mais a paixão do leitor português. Alguma coisa deve estar dando errado com o leitor do outro lado do Atlântico para desconhecer um dos maiores escritores da literatura universal, Guimarães Rosa, cuja obra deveria ter precedido à de Saramago com o Nobel, disparadamente.
No fim da entrevista, uma pessoa, no recinto, ergueu-se nos calcanhares e saudou o escritor com essas palavras: “Em nome de todos os brasileiros, obrigado por existir”.
Até que não lhe calharam de todo mal.


(Nov/08).

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