Morreu
num dia desses o famoso antropólogo Lévi-Strauss. Lendo uma resenha de Sérgio
Augusto, no Estadão de sábado, (7/11/09), diz ele que Strauss tinha especial
predileção por “Um corpo que cai”, de Hitchcock, estrelado por James Stewart e
Grace Kelly. Para refrescar um pouco a memória do leitor, que talvez não se
lembre desse filme ou se lembre mal, informo que se trata da história de um
ex-policial, Scottie, que se defronta com um enigma de uma mulher que assume um
papel duplo, de uma que se envolve na prática de um crime, e de outra detentora
de distinta personalidade (Judy e Madeleine). Para matar essa charada, embora
tenha vivo o perfil igual de ambas, em vários momentos, o ex-policial, que
sofria de acrofobia (vertigem de altura), que se revelou em certa ocasião, num
dos lances de sua vida profissional, quando, em cima de telhados, fazia a
perseguição a um bandido, percorre até a exaustão as ruas de São Francisco da
Califórnia, ora entrando num prédio, ora acompanhando a suspeita por essas
ruas.
Dá-se
a essa trajetória, incansavelmente, a ponto até de as pulgas lançarem seu
veemente protesto de tanta chatice de andar pra cá e pra lá para chegar à
conclusão óbvia (que outra não havia) que Kim Novak (que interpreta esse papel
duplo) é a mesma mulher sem tirar nem por.
Mas
no filme é preciso ter paciência infinita para ver o percurso traçado (incluído
um museu onde está exposto o retrato da personagem de Kim Novak, que a retrata
de forma a não deixar margem à dúvida, até reproduzindo-a nos detalhes do
vestido, de jóias, do penteado, etc.), e constatar que vem a ser a mesma que
foi cúmplice no assassinato de uma mulher de quem o marido queria se descartar.
Até
o fim, na cabeça do ex-policial, o enigma perdura, embora o público esteja
absolutamente convencido de que a semelhança física entre ambas as mulheres não
pode resistir a menor lógica. Diga-se que, entrementes, o ex-policial vem a se
apaixonar pela mulher envolvida no crime.
Arrasta-se
a história até a saturação (ou até que as pulgas do cinema, de tão entediadas,
resolvam abandoná-lo em massa face à obviedade do tema ou da narrativa).
Borges
tinha adorado “Matar ou morrer”, outra chatice assinada por Fred Zinneman. Fiz
os devidos reparos a essa esdrúxula preferência do grande escritor. Agora,
Sérgio Augusto comenta numa resenha que Lévi-Strauss elegera “Um corpo que cai”
como o filme que o fascinara, entre tantos outros clássicos.
Ou
não sei mais nada quanto ao que é válido ou não em cinema ou estou me tornando
vítima de cegueira; das duas uma.
Tenho,
a meu favor, no caso de “Um corpo que cai”, o testemunho insuspeito das pulgas.
(Nov/09)
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