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Wednesday, October 9, 2013

BORGES E LÉVI-STRAUSS - Hamilton Alves


Morreu num dia desses o famoso antropólogo Lévi-Strauss. Lendo uma resenha de Sérgio Augusto, no Estadão de sábado, (7/11/09), diz ele que Strauss tinha especial predileção por “Um corpo que cai”, de Hitchcock, estrelado por James Stewart e Grace Kelly. Para refrescar um pouco a memória do leitor, que talvez não se lembre desse filme ou se lembre mal, informo que se trata da história de um ex-policial, Scottie, que se defronta com um enigma de uma mulher que assume um papel duplo, de uma que se envolve na prática de um crime, e de outra detentora de distinta personalidade (Judy e Madeleine). Para matar essa charada, embora tenha vivo o perfil igual de ambas, em vários momentos, o ex-policial, que sofria de acrofobia (vertigem de altura), que se revelou em certa ocasião, num dos lances de sua vida profissional, quando, em cima de telhados, fazia a perseguição a um bandido, percorre até a exaustão as ruas de São Francisco da Califórnia, ora entrando num prédio, ora acompanhando a suspeita por essas ruas.  
Dá-se a essa trajetória, incansavelmente, a ponto até de as pulgas lançarem seu veemente protesto de tanta chatice de andar pra cá e pra lá para chegar à conclusão óbvia (que outra não havia) que Kim Novak (que interpreta esse papel duplo) é a mesma mulher sem tirar nem por.
Mas no filme é preciso ter paciência infinita para ver o percurso traçado (incluído um museu onde está exposto o retrato da personagem de Kim Novak, que a retrata de forma a não deixar margem à dúvida, até reproduzindo-a nos detalhes do vestido, de jóias, do penteado, etc.), e constatar que vem a ser a mesma que foi cúmplice no assassinato de uma mulher de quem o marido queria se descartar.
Até o fim, na cabeça do ex-policial, o enigma perdura, embora o público esteja absolutamente convencido de que a semelhança física entre ambas as mulheres não pode resistir a menor lógica. Diga-se que, entrementes, o ex-policial vem a se apaixonar pela mulher envolvida no crime.
Arrasta-se a história até a saturação (ou até que as pulgas do cinema, de tão entediadas, resolvam abandoná-lo em massa face à obviedade do tema ou da narrativa).
Borges tinha adorado “Matar ou morrer”, outra chatice assinada por Fred Zinneman. Fiz os devidos reparos a essa esdrúxula preferência do grande escritor. Agora, Sérgio Augusto comenta numa resenha que Lévi-Strauss elegera “Um corpo que cai” como o filme que o fascinara, entre tantos outros clássicos.
Ou não sei mais nada quanto ao que é válido ou não em cinema ou estou me tornando vítima de cegueira; das duas uma.
Tenho, a meu favor, no caso de “Um corpo que cai”, o testemunho insuspeito das pulgas.


(Nov/09)

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