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Thursday, October 3, 2013

CENAS DA INFÂNCIA - Hamilton Alves

                                               
De vez em quando, em imaginação, revivo algumas cenas da infância, que sempre me foram muito caras, independentemente de adversidades de ordem familiar ou econômica com que tivessem sido marcadas. Para mim (ou como para todo o menino) isso não contava. Como não conta ainda hoje. A infância é um mundo à parte. Todo mundo que a viveu sabe perfeitamente disso. Depois da infância, abre-se um novo mundo absurdo, com o qual o menino vai bater sempre com a cabeça sem achar meio de se adaptar.
Queria ver o Hélio Canela, por exemplo, subindo o morro da Avenida Tico Tico depois da pelada no Campo do Manejo, com um sorriso largo e com a calça da perna esquerda arregaçada até o joelho.
Ver de novo o riso do nego Muru (o Wilson). Ainda havia os irmãos Walmor e o Walter (este mais moço que os outros dois).
Ver meu pai regressando do trabalho, no fim da tarde, atravessando sob o vento sul o dito Campo do Manejo.
O atendimento sempre atencioso do Oliveira no Açougue do Povo (também no Campo do Manejo), cuja irmã foi a minha primeira paixão;
E as cabras, as cabras, balindo sob a chuva?!
Queria ver o Pouca Roupa (João Cabral), desmazelado como sempre, carregando umas roupas amarfanhadas e rotas sobre o corpo, mas com uma tal expressão de alegria que era de contagiar.
Daria tudo para apreciar o Çagarra fazendo ruído de motor de carro com a boca, dando marcha à ré ou manobrando com alta perícia um carro imaginário. E o Araponga, dando seus guinchos a toda hora.
O Galego da Pedra do Paraíso, quando o sol baixava, subindo com um saco às costas (nunca se sabia o que continha) em direção à morada (que ficava sob essa Pedra).
O Faustino, debruçado no balcão da venda do João Linhares, tomando sua pinga. Ou certa vez, armado de facão, saindo em perseguição a um desafeto, que imitou seu modo de falar fino.
O Pequilo sempre com seu ar preocupado, cheio de hemorróidas, como contava aos amigos, com o pijama com que acordava de manhã e os chinelos, atravessando as ruas que levavam à venda do João.
E o Tromba, por onde andará o Tromba?
Que dizer do dono de uma quitanda que não tinha nada para vender, a não ser saquinhos de amendoim.
A Lemoa, que diariamente vinha com um pote d’água às costas, de uma boa distância. Que beleza vê-la nessa travessia.
E, para encerrar esse desfile de memórias, dona Branca à janela de sua casa, esperando o marido, Targino, cujos paletó e calça lhe dançavam no corpo. Haverá coisa mais bonita?                                                           


(abr./10)                                             

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